Por Pollyanna Xavier
A polêmica envolvendo a Rodovia do Contorno e os inúmeros (e evitáveis) acidentes registrados na via quase que diariamente aventaram a suspeita de que parte dos problemas estruturais seria responsabilidade da CSN. A questão começou a ser levantada depois da divulgação do laudo da secretaria de Transporte e Mobilidade Urbana (STMU), elaborado após vistoria técnica na estrada. No documento, foram elencadas as avarias estruturais encontradas, dentre elas, o aparecimento de uma fina camada de lama que emerge do solo, e que torna o asfalto extremamente escorregadio. A partir desta informação, não faltaram especulações de que a tal lama era originada dos dejetos industriais da UPV, depositados no local.
A suspeita até fazia algum sentido. Afinal, no decorrer das obras de construção da Rodovia do Contorno, trabalhadores passaram mal durante uma escavação e precisaram de atendimento médico. A recorrência de desmaios entre os operários levou à descoberta de um aterro sanitário clandestino da CSN. O local tinha grande concentração de organo- fosforado – um produto altamente tóxico e que possui forte odor, semelhante a enxofre. Com a descoberta, as obras foram paralisadas e a CSN foi alvo de uma Ação Civil Pública (ACP), ajuizada pelo MPF, para garantir a retirada dos resíduos industriais.
O caso aconteceu em 2010e,comaACP,a CSN acabou informando em juízo a existência de mais três células do mesmo aterro, localizadas nos arredores da rodovia. Elas foram batizadas de Márcia I, II e III, mas somente o primeiro impedia a continuidade das obras. Segundo documentos da época, o Márcia I armazenava cerca de 540 mil toneladas de resíduos carboquímicos e oleosos, misturados com escória, que foram despejados clandestinamente pela CSN ao longo de mais de três décadas.
Na ação, o MPF queria que a CSN fosse obrigada a não apenas remover os dejetos, como também apresentar um estudo de recuperação da área, que incluísse o tratamento dos rejeitos químicos. Caso não cumprisse, sugeriu a aplicação de multa diária de R$ 20 mil e ainda uma indenização de R$ 300 milhões por danos ambientais causados à população de Volta Redonda, pelas décadas de exposição à contaminação química.
A remoção do material foi um capítulo à parte e, de acordo com o apurado, nunca aconteceu. Primeiro, porque os dejetos teriam que ser
transferidos para um local licenciado, e naquela altura, a CSN não conseguiria concluir um processo de licenciamento ambiental em tempo recorde. Segundo, porque a empresa alegou ser impossível encerrar os aterros no prazo estipulado, já que o trabalho exigia a circulação de mais de 100 caminhões por dia na área contaminada. E terceiro, porque foi celebrado um Termo de Ajustamento de Condutas específico para as obras da rodovia, entre Inea, ICMbio, Dnit e prefeitura, sem a participação da CSN, o que contribuiu para que a empresa se defendesse dizendo não ser responsável pelo passivo.
A declaração da CSN não soou bem ao MPF, que afirmou que o TAC não excluía a responsa- bilidade da siderúrgica. A verdade é que não há informações oficiais de que os aterros, localizados na área da rodovia, foram removidos de lá. Tudo indica que não, já
que a CSN chegou a apresentar ao Inea e à Justiça um Plano de Ação Conceitual para o gerenciamento do Márcia I, com a proposta de tratamento dos resíduos sem precisar removê-los. Simultâneo ao plano, a empresa requereu do Inea a Licença de Recuperação Ambiental (LAR) para o Márcia I, mas não fez o mesmo para as demais células (II e III).
O aQui tentou falar com o MPF para saber a atual situação da ACP, mas não obteve qualquer resposta. Estranhamente, também não foi possível consultar a ação no site da Justiça Federal, porque o sistema informa que o processo é inexistente. O jornal também fez contato com o ICMBio, participante do TAC, para saber se existe relação dos rejeitos do Márcia I com a fina camada de lama que misteriosamente surge na superfície da rodovia. A resposta foi surpreendente.
Segundo o analista ambiental do ICMBio, Sandro Leonardo, não. “Acho difícil. Os locais dos aterros são distantes do ponto onde está tendo a lama”, garantiu. Para provar sua tese, Sandro enviou ao jornal uma imagem de satélite da localização dos depósitos e provou que eles estão distantes do ponto crítico da estrada. O analista ambiental também encaminhou uma cópia do TAC, com detalhes acerca da responsabilidade de cada ente participante.
Sobre a Rodovia
Recentemente, a estrada do Contorno foi fechada e reaberta num espaço de apenas quatro dias. O fechamento se deu depois de um acidente grave que matou quatro pessoas – três de uma mesma família, dentre elas umbebêdeumano–no dia 28 de janeiro. A reabertura aconteceu em 1° de fevereiro, após a Justiça atribuir ao Dnit a responsabilidade pela via e determinar que a autarquia federal instalasse, como medida
urgente, redutores de velocidade nos trechos mais críticos. Na mesma decisão, decretou a realização de obras de reparação na rodovia, com total atenção às avarias citadas no laudo da STMU. Segundo o documento, o pavimento da estrada tem graves problemas estruturais, como afundamentos, fissuras, trincas, inclinação negativa de cur vas e rachaduras conhecidas como ‘couro de jacaré’. Este último defeito começou no km 3,8, próximo ao Residencial Jardim Mariana, e se alastrou ao longo da via, agravando no km 8 (área de maior concentração de acidentes). Exatamente neste local ocorreu a remoção superficial do revestimento asfáltico, contribuindo para a emersão da lama que se encontra nas camadas mais baixas da rodovia. O evento torna a pista altamente escorregadia, mesmo em dias sem chuvas. O que dirá nos temporais!

