Foto: Luiz Vieira
Por Pollyanna Xavier
Um levantamento feito pelo aQui no site da Assembleia Legislativa do Estado do Rio mostrou que, nos últimos 10 anos, das mais de mil leis editadas, nem 10% são realmente úteis ao cidadão. Tirando as leis de autoria do Executivo e do Judiciário, as normativas apresentadas pelos deputados deixam muito a desejar. A maioria reconhece como utilidade pública determinada instituição ou dá nome a algum prédio estadual. Muitas delas mexem diretamente com o calendário oficial do Estado, ao incluir um dia especial de alguma coisa. Mas a maioria tem disposições obtusas que temos de cumprir.
O levantamento levou em consideração apenas as leis editadas pelos parlamentares e, pasmem, no período pesquisado, de 2015 a 2025, foram encontradas menos de 30 normativas que, de fato, causam um impacto positivo na vida do povo fluminense. Foram selecionadas ainda outras 10 leis consideradas desnecessárias, sem qualquer justificativa razoável para existirem. Outro ponto interessante na pesquisa é que não é pequeno o número de deputados que criam leis i n c o n s t i t u c i o n a i s , demonstrando total desconhecimento da própria função legislativa que a Lei 7.733/17, do ex-deputado Dr Julianelli, criou o programa de inclusão da polpa do fruto da Palmeira Juçara (só pode ser essa, não serve outra espécie) nas escolas. A garotada vai enjoar.
Nesta reportagem, o aQui publica as leis que realmente são boas e provavelmente seguem desconhecidas de muita gente. Em contrapartida, a reportagem também apresenta uma pequena seleção de leis ruins, que nos fazem pensar para que e para quem foram criadas, ou, num sentido mais crítico, o que os deputados andam fazendo na Casa de Leis? Confira.
Leis bizarras:
Dia do ex-aluno militar – De autoria do deputado Samuel Malafaia, a Lei 10.645/24 incluiu no calendário oficial do estado do Rio o Dia do Ex- Aluno da Escola Preparatória de Cadetes do Ar (EPCar). Samuel, literalmente, legislou em causa própria, afinal, ele é formado pela EPCar, na turma de 1968.
Amazônica fluminense – Ainda estamos buscando o sentido da Lei 10.642/24, do ex-deputado Andrezinho Ceciliano (ele foi eleito prefeito de Paracambi), que incluiu, no calendário oficial do estado do Rio, o Dia Estadual da Cultura Amazônica. A data é comemorada no dia 8 de abril, e a lei não traz qualquer detalhe sobre a relação do tema com o estado do Rio.
Padroeira do Brasil – Acredite se quiser, mas a Alerj aprovou a Lei 10.641/24, de autoria do deputado Márcio Gualberto, que cria o Dia Estadual de Nossa Senhora Aparecida. Agora adivinha quando este dia deve ser comemorado? Acertou quem pensou em 12 de outubro. Estamos até agora tentando entender o porquê desta lei, se nesta data já é comemorado em todo o Brasil – e isto inclui o Rio de Janeiro – o dia de Nossa Senhora Aparecida.
Checagem dos fatos – Parece pegadinha, mas acredite, é só o texto da Lei 10.622/24. É que essa normativa instituiu o Dia Estadual da Checagem dos Fatos, a ser comemorado em 2 de abril. Agora imagina contar uma mentira no dia 1º de abril e no dia seguinte checar a sua veracidade. A lei, que ninguém entendeu muito bem para que serve, é do ex-deputado Andrezinho Ceciliano. Será que ele estava pensando em fake news?
Baiana do acarajé – Mais uma norma nacional que entrou no calendário oficial do Rio, sem justificativa aparente. Trata-se da Lei 9.900/22, do deputado Átila Nunes, que instituiu o Dia das Baianas do Acarajé, a ser comemorado em 25 de novembro, mesma data do texto nacional. Com todo o respeito à cultura baiana – uma das mais ricas do nosso país –, mas se nem a Assembleia Legislativa da Bahia copiou a lei nacional, por que a Alerj teve que copiar?
Dia da pastora e da esposa do pastor – Sim, a Alerj tem uma lei que instituiu, no calendário oficial do estado do Rio, o Dia da Pastora Evangélica (até aí, tudo bem, afinal líderes de outras religiões também foram homenageadas). Mas o texto incluiu a esposa do pastor evangélico (oi?). Trata-se da Lei 9.830/22, do deputado Rosenverg Reis, que escolheu o primeiro domingo de março para a comemoração.
Sem radar nas estradas – A Lei 9.819/22, da deputada Lucinha e do ex-deputado Dr Serginho (atual prefeito de Cabo Frio), proibiu a instalação de radares eletrônicos fixos e a aplicação de multas nas estradas estaduais, especialmente na RJ-124, conhecida como Via Lagos. A fiscalização deverá ser realizada apenas pela sinalização viária horizontal e vertical.
Cão policial – Anota aí: 6 de novembro é o Dia Estadual do Cão Policial. A data foi instituída pela Lei 8.642/19, do deputado Rosenverg Reis. A gente está pensando aqui, como será a comemoração? Os donos dos animais deverão cantar o refrão ‘Au, au, au’? Palmito na merenda escolar – Se, na sua época de escola, a merenda era arroz de forno, agora é palmito, suco de palmito, purê de palmito, suflê de palmito e o que mais der para fazer com palmito. É
Observação de Aves – 23 de setembro: guarde bem essa data e desmarque todos os seus compromissos. É que a Lei 7.475/16 instituiu esse dia, no calendário oficial, como o Dia Estadual de Observação de Aves. Alguém explica o sentido, por favor? Em Volta Redonda, vamos ficar à procura de tucanos pelo Laranjal?
Leis interessantes:
8 de março – Já que estamos no mês das mulheres, vamos começar com a Lei 9.790/22, que assegura às mulheres, sempre no dia 8 de março, o pagamento de 50% do valor do ingresso em estabelecimentos e/ ou casas de espetáculo, parques (aquático e infantil), zoológicos, exposições, feiras, eventos esportivos, cinemas, e qualquer outro que promova eventos de lazer, entretenimento e difusão cultural no estado do Rio. A normativa, veja só, não teve a autoria de uma deputada, e sim de um parlamentar: o deputado Valdecy da Saúde.
TV nos bares – Se você é da turma que gosta de assistir a uma partida de futebol, como a do Carioca, entre Flamengo e Fluminense, prevista para amanhã, domingo, 16, ou a premiação do Oscar bebendo com os amigos, agradeça ao ex-deputado Paulo Ramos, que criou a Lei 7.015/15. Essa normativa prevê a exibição de programação televisiva, inclusive TV por assinatura, sem qualquer cobrança, em ambientes coletivos como praças de alimentação, bares, restaurantes, shoppings, etc.
Sem carroça – Pouca gente sabe, mas é proibido o transporte por tração animal em todo o estado do Rio. A lei que prevê isso é a 7.194/16, do ex-deputado Dionísio Lins, que responsabiliza todo indivíduo que utilizar animais para fretamento, transporte de cargas, materiais ou pessoas, não apenas nas áreas urbanas, mas também nas rurais. Quem fizer isto poderá ser penalizado com multa, perderá o animal (que deverá ser recolhido pela prefeitura) e ainda poderá responder criminalmente por maus-tratos.
Carona em blitz – Se alguém já viu essa lei ser cumprida, escreva contando para o aQui como foi. É que, em 2016, foi publicada a Lei 7.339, de autoria da ex- deputada Daniele Guerreiro, que obriga o agente público a garantir a integridade física e a locomoção de cidadãos com veículos automotores apreendidos em blitz, quando essa acontecer em locais e horários de difícil acesso aos meios de transporte público. Na prática, funciona assim: suponha que você seja parado numa blitz na Rodovia do Contorno e o seu carro fique apreendido. Um agente terá de te conduzir até um local onde você consiga acessar o transporte público para voltar para casa com segurança. Dá até para economizar no Uber.
Carimbo só com o crachá – Na pandemia, a Alerj deu uma nova redação à Lei 3.397/2000, do falecido deputado Cory Pillar (Itaperuna), que obriga a apresentação de identidade profissional na confecção de carimbos. O novo texto determinou que, para a entrega do carimbo, o estabelecimento deverá reter cópia autenticada da identidade profissional e encaminhá-la ao respectivo Conselho Profissional informando a confecção do produto. A normativa, se cumprida, pode ajudar a coibir o exercício ilegal da profissão. “Se cair a ligação, te ligo de volta” – Se você já ouviu essa frase enquanto falava com sua operadora de telefone, agradeça ao ex-deputado André Ceciliano. Sim, é dele a lei (7.364/16) que obriga as operadorasde telefonia a retornarem à ligação, caso esta caia. Se você achava que era uma gentileza das operadoras, enganou-se. Elas só estão cumprindo a lei para evitar serem multadas. Fazem bem.
Sem lacre nas sacolas – Essa deveria ser impressa e entregue a todas as redes de supermercados que mantêm lojas de variedades asiáticas em suas dependências. É que a Lei 7.411/16, de autoria do ex-deputado Dr Sadionel, proíbe estabelecimentos comerciais de lacrar sacolas de compras dos consumidores que visitam as lojas. Também não podem obrigar que os pacotes fiquem retidos em porta-volumes, sob pena de serem responsabilizados com base no Código de Defesa do Consumidor. As lojas que lutem por um sistema de segurança com câmeras de última geração.
Placa de graça para quem foi clonado – Sim, você leu corretamente. A Lei 7.668/17, do ex-deputado Luiz Martins, garante a obtenção gratuita de uma nova placa ao proprietário de veículo automotor que tiver a placa clonada. Para isto, é preciso cumprir algumas exigências, como provar, mediante processo administrativo junto ao Detran, que teve a placa clonada. Apesar da burocracia, a lei é interessante e te fará economizar R$ 240,34 (taxa atualizada em 2025 para confecção de duas placas – dianteira e traseira).
Agressor de mulher não pode ocupar cargo comissionado – Apesar de serem de livre nomeação e exoneração, os cargos comissionados em todos os poderes do estado do Rio (Executivo, Legislativo e Judiciário) não podem ser ocupados por pessoas condenadas pela Lei Maria da Penha. A proibição está prevista na Lei 8.301/19, de autoria dos ex-deputados Dr Julianelli e enfermeira Rejane. O problema é que, na prática, a teoria é outra.
Projéteis só para a polícia – Se antes os projéteis (e outros objetos perfurantes) retirados dos corpos das vítimas durante procedimento cirúrgico eram descartados pelos hospitais, desde a edição da Lei 8.398/19, a destinação é outra. De autoria da ex-deputada e delegada aposentada Marta Rocha, a normativa obrigou que os projéteis sejam entregues à Polícia, para instrução dos respectivos procedimentos investigatórios. A balística forense agradece.
Nasceu sem pai? Chame a Defensoria – Os nascidos vivos no estado do Rio, sem identificação do pai devem ser comunicados à Defensoria Pública e também ao MP. A exigência está prevista na Lei 8.384/19, do deputado Átila Nunes, e busca garantir os direitos da criança, como o reconhecimento da paternidade e o pagamento de pensão.
Devolução do IPVA para vítimas de furto ou roubo – As delegacias de Polícia que registrarem a ocorrência de roubo ou furto de automóvel são obrigadas a informar aos proprietários sobre o ressarcimento proporcional do IPVA. A garantia está prevista na Lei 8.345/19, do ex-deputado Nivaldo Mulim.
Nada de mochila pesada – Seu filho carrega uma tonelada na mochila escolar? Pois é, não deveria. É que a Lei 8.458/19, do ex-deputado Paulo Ramos, estipulou um peso máximo total do material transportado pelo estudante: 5% do peso da criança da Educação Infantil e 10% do peso do aluno do Ensino Fundamental e Médio. A lei prevê ainda que as próprias escolas divulguem esta informação afixando cartazes nas dependências onde os pais e responsáveis consigam ler. Ah, o material que ex- ceder o peso máximo permitido deverá ficar guardada em armários fechados individuais ou coletivos. E a escola que descumprir a lei poderá ser advertida ou multada. Se este for o teu caso, imprima a lei e leve para a escola do seu filho.
Mesmas condições promocionais para antigos usuários – Essa lei (7.077/15, do deputado Carlos Minc) já até virou reportagem no aQui. Se não leu, clique neste link (https://jornalaqui.com/igual-para-todos/). Não vamos explicar de novo.
Celeridade para vítimas de estupro – Na teoria, a Lei 8.639/19, da deputada Franciane Motta, garante prioridade nos trâmites procedimentais jurídicos e administrativos às vítimas de estupro e feminicídio no âmbito do estado. Na prática, não é bem assim. Leva se dias e até semanas para que uma medida protetiva seja expedida. Uma pena.
Corre que o ônibus tá chegando – Essa lei (8.662/ 19, do ex-deputado Anderson Moraes) realmente funciona, nós testamos! Ela prevê a comunicação, via aplicativo de mensagem, sobre os horários e itinerários do transporte coletivo que opera sob concessão estadual. Pelo whatsapp, conversamos com I.A. de uma determinada viação que faz a linha Volta Redonda-Resende, que informou o horário e o itinerário dos ônibus. Na conversa, a viação ainda orientou a baixar o aplicativo para acompanhar, em tempo real, a localização do veículo. Bem útil!
Alguém conhece? – A Lei 9.464/21 tem ajudado a localizar familiares e amigos de muitos pacientes internados sem identificação. De autoria da deputada Lucinha e da ex- deputada Marta Rocha, a normativa prevê a divulgação nos sites dos hospitais públicos ou privados dos pacientes que derem entrada na emergência em estado inconsciente, sem documentos e desacompanhados.
Busca imediata de desaparecidos – Quem já teve um familiar desaparecido sabe que a Polícia só inicia as buscas depois de 24h do desaparecimento. Acontece que a Lei 9.687/22, do deputado Danniel Librelon, mudou essa regra ao prever a busca imediata. Mas, detalhe: a celeridade só vale se o desaparecido for menor de 16 anos ou pessoa com deficiência em qualquer idade.
Material de construção para vítimas de desastre – A Lei 10.663/25, de autoria dos deputados Carlinho do. BNH e Vinicius Cozzolino, é fresquinha. Foi publicada em janeiro e prevê a instituição do Programa de Doação de Materiais de Construção para Vítimas de Desastres Naturais. Isto inclui enchentes, deslizamentos de terra, incêndio, entre outros eventos naturais diversos.
Pedófilos não podem ocupar cargo público – A Lei 10.627/24 impossibilita a investidura em cargo público, da administração direta ou indireta, de qualquer cidadão condenado (com trânsito em julgado) pela prática de pedofilia. A normativa original é de 2014, mas ganhou uma redação nova no ano passado ao ser incluída a obrigatoriedade de afastamento das atividades que envolvem o contato direto com crianças de servidores que estiverem respondendo por abuso sexual de menor. A lei também é de autoria dos deputados Carlinho do BNH e Vinicius Cozzolino.
Isenção de passagem para alunos do Sistema S – Já ouviu falar no Sistema S (Sesi, Senai, Senac, Sest, Sesc etc)? Pois é! Alunos do ensino médio ou da formação técnica profissional, matriculados e bolsistas deste sistema, têm gratuidade no transporte intermunicipal, desde que estejam a caminho da escola. Isto é o que prevê o texto da Lei 10.594/24, de autoria dos deputados Tia Ju, Elika Takimoto e Giovani Ratinho. Se você conhece alguém nesta situação, compartilhe essa informação. Aliás, compartilhe a reportagem inteira.