quarta-feira, janeiro 22, 2025
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Papel da escola?

Vinícius de Oliveira

Como-os-professores-podem-ajudar-a-combater-a-homofobia-nas-escolas

Uma pesquisa inédita, com relevância internacional, chamou a atenção do mundo. Jovens estudantes de sete países da América Latina, que se identificam como gays, lésbicas ou transexuais, entrevistados entre dezembro de 2015 e março de 2016, afirmaram que se sentem inseguros nas escolas. Os resultados foram recentemente apresentados ao Brasil, em audiência pública conjunta das comissões de Relações Exteriores; e de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. 

 

A pesquisa foi feita com estudantes do ensino básico, com idade acima de 13 anos e que se identificavam como integrantes da comunidade LGBT. No Brasil, 1.016 adolescentes responderam ao questionário, feito pela internet, de forma anônima. E o cenário é o seguinte: 73% dos estudantes sofrem bullying homofóbico; 60% se sentem inseguros nas escolas; e 37% já sofreram violência física.

 

Em Volta Redonda e região ainda não foi feito um levantamento específico como este, mas existem números registrados. São tão assustadores quanto. De acordo com o coordenador do VR sem Homofobia, Natã Teixeira, de 3 a 4 jovens são expulsos de suas casas, todos os meses, apenas por se assumirem para a família como homossexuais. “Os jovens são expulsos de casa, pois seus pais e responsáveis não entendem a orientação deles. São colocados para fora sem qualquer tipo de assistência e não encontram no poder público acolhimento. Esses seres humanos ficam sem referências, com medo e sem perspectiva”, comentou Natã.

 

Tem mais. Os casos com maior incidência registrados pelo VRSH, que atende a população do Sul Fluminense, estão relacionados às violações de direitos civis básicos do ser humano. Segundo Natã, são pelo menos 6, todo mês. “São casos de discriminação em locais públicos como escolas e repartições. Recebemos denúncias de tratamentos diferenciados, com chacotas ou algum tipo de pouco caso, negligência”, relatou, de forma indignada.  

 

Mesmo com tantos índices capazes de causar arrepios em qualquer ser humano ainda assim, o Poder Público insiste em fechar os olhos enquanto a população LGBTIQ é agredida ou morta nas vielas de pequenas e grandes cidades. O Ministério Público Federal de Volta Redonda bem que tentou forçar a discussão do assunto nas escolas e postos de saúde do Sul Fluminense. Algumas prefeituras, como a de Vassouras, por exemplo, conseguiram avançar. Outras, no entanto, preferiram ceder às pressões de setores políticos ligados a movimentos conservadores como a Igreja Católica, e se negam a debater o tema ou simplesmente abandonaram o trabalho no meio do caminho.

 

Foi o que aconteceu na cidade do aço. Seguindo a determinação do MPF, a secretária de Educação de Volta Redonda, Rita de Cássia, criou um grupo de trabalho onde a LGBT fobia nas escolas fosse amplamente estudada e discutida. Participavam do GT integrantes da própria secretaria e de movimentos sociais como o ‘Mães pela Diversidade’ e o VRSH. Juntos, chegaram a elaborar um questionário, ao qual o aQui teve acesso, para ser respondido pela comunidade interna escolar (exceto alunos). O objetivo era identificar casos de preconceito de todas as ordens, mas, principalmente, contra homossexuais na rede de ensino público do município. Responderam ao questionário 1.951 pessoas entre professores, funcionários administrativos e ainda o pessoal de apoio das escolas.

 

Um dos pontos que mais chamou a atenção foi o das perguntas relacionadas ao trato das questões de gênero: 36,9 % dos entrevistados disseram que “a homossexualidade é percebida, mas não é discutida no espaço escolar”. Já 23,1% consideraram que os assuntos ligados à homossexualidade não devem ser discutidos na escola; 16,2% afirmaram perceber e discutir o assunto entre os colegas, mas sem qualquer fim de resolução de conflitos ou mudanças de postura.  E outros 22,7% não souberam opinar e nenhum dos servidores que responderam ao questionário disseram que há um trabalho efetivo para combater a homofobia dentro do ambiente educacional.

 

O questionário quis saber também qual era a percepção dos funcionários quando o corpo técnico-pedagógico era obrigado a se posicionar frente a um ataque homofóbico. Quase a metade dos que participaram da entrevista (49,8%) admitiu que desconhece os casos ou estes são tratados de forma superficial e generalizada. Além desses, 14,9% voltaram a afirmar que “não é assunto para a escola”. Por fim, mais de 800 pessoas afirmaram que a incidência de ataques homofóbicos dentro do ambiente escolar ou preconceitos religiosos são mínimos ou nulos.

 

Parou no caminho

Alguns professores e pais de alunos ficaram insatisfeitos com a iniciativa da secretaria de Educação de discutir, entre outras, a homofobia nas escolas. Cheios de ira, foram reclamar no Palácio 17 de Julho e na conservadora Câmara dos Vereadores. O presidente da Casa, vereador Sidney Dinho, quando tomou conhecimento do que estava acontecendo nas escolas da cidade do aço, se indignou. Ele usou, inclusive, suas redes sociais para criticar a secretária de Educação. Em seu texto, o parlamentar criticou a ideia da existência de famílias multinucleares bem como a discussão desse assunto entre o corpo docente.

 

O post do vereador foi bombardeado por críticas. Gays, lésbicas, transgêneros e simpatizantes soltaram o verbo na página de Dinho e exigiam sua retratação. Como o presidente da Câmara não o fez, alguns integrantes do público LGBTIQ ocuparam o Plenário e, com palavras de ordem, exigiram uma audiência com o vereador. Dias mais tarde foram recebidos por Dinho e protagonizaram, no gabinete da presidência, um embate histórico.

 

Um militante leu uma carta de três páginas endereçada ao vereador, explicando, com dados de órgãos internacionais como a Organização das Nações Unidas a urgência de se combater a homofobia no espaço escolar. Explicou ainda os conceitos aceitos pelo IBGE de famílias multinucleares (quando a unidade familiar não é composta pelo tradicional modelo de pai, mãe e filho). Mas os esforços dos manifestantes foram em vão.

 

“Nesse dia, pediram que me retratasse por ter criticado o que a SME estava fazendo. De fato, usei palavras incorretas para os dias de hoje, mas não vi a necessidade de me retratar, pois o que postei foi na minha página pessoal do Facebook. Porém, admito que aprendi bastante nesse dia, principalmente ouvindo a integrante do ‘Mães pela Diversidade’. Só que esse assunto [discussão de gênero] é muito sério e não pode ser feito de qualquer maneira”, resumiu Dinho.

 

Mais tarde, o grupo questionou a postura do prefeito Samuca sobre o motivo pelo qual teria dado a ordem de que se encerrasse as discussões na SME. Samuca adotou um discurso parecido com o de Dinho. “A sociedade ainda não está preparada para discutir o assunto. É muito sério e não pode ser feito de qualquer maneira. Por isso temos a intenção de discutir com as bases da sociedade num fórum que está sendo construído pela secretaria de Direitos Humanos e Comunitária”, justificou o prefeito, embora, segundo uma fonte, Samuca já teria dado carta branca à secretária de Educação. “Pediu apenas cautela, mas mandou seguir”.

 

Discussão ‘abriu o armário’

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Marília Lima Givisiez, 21, é funcionária da secretaria de Educação de Volta Redonda. Ela se declara homossexual, mas, até pouco tempo, ninguém sabia disso. As únicas pessoas que dividiam seu segredo eram amigos bem próximos. “Eu tinha medo de não ser aceita. Tinha medo da reação das pessoas ao meu redor. Mesmo convivendo no trabalho com amigos também homossexuais, ainda assim não acreditava que seria aceita”, lamentou, relembrando o quanto ficava angustiada. “Não podia ser eu mesma. Tinha sempre que fingir”, pontua.

 

Mas tudo isso mudou quando a SME começou a discutir gênero. Conforme conta Marília, as reuniões com os professores sobre o tema eram embasadas em estudos e teorias que fazem parte do arcabouço das Ciências Sociais. “Os professores e funcionários puderam participar de uma reunião onde o assunto foi discutido com embasamento teórico. Deu para perceber claramente qual era o papel da escola no que diz respeito às áreas pedagógicas e a importância de acolher indivíduos homossexuais. Minha mãe também é da rede. Eu sabia que ela participaria dessa reunião e, assim, abriria mais a mente. Graças a essa iniciativa da SME, tomei coragem de ‘sair do armário”’, contou.

 

Para Marília, as discussões deveriam continuar. “Em nenhum momento a SME exigiu que os professores dissessem para as crianças que elas poderiam ser meninos ou meninas de acordo com a vontade delas. Também não alegaram que teria de ter um banheiro só na escola como muitos tolos acreditam. A discussão se mantinha no acolhimento de alunos homossexuais e na importância de garantir o acesso e a permanência dele na sala de aula. Inclusive, isso é uma prerrogativa da Lei de Diretrizes e Bases da Educação para evitar a evasão escolar e, mais tarde, os ataques homofóbicos da sociedade que temos visto”, disse.

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