Neto pode ou não pode ser candidato?

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A Lei da Ficha Limpa (LC 135) é uma lei complementar que foi aprovada pelo Congresso Nacional e promulgada pelo Presidente da República em 04 de junho de 2010. A Lei da Ficha Limpa teve origem em um projeto de lei de iniciativa popular, fruto de um forte apoio na sociedade à época.

 

Com o objetivo de moralizar as eleições, a lei trouxe novas hipóteses de inelegibilidade aos futuros candidatos. Por meio da inelegibilidade, o cidadão que queria ser candidato a um determinado cargo público, não poderá ser candidato, caso esteja enquadrado na Lei da Ficha Limpa. Sem sombra de dúvidas, a hipótese de enquadramento mais questionada é a inelegibilidade oriunda de condenação por órgão colegiado, ainda que sem trânsito em julgado.

 

Para o nosso leitor compreender, funciona da seguinte forma: significa que o sujeito que foi condenado por um órgão colegiado não pode ser eleito, logo, não pode ser candidato: está inelegível. A Lei da Ficha Limpa estabelece que uma decisão condenatória prolada por um único julgador (um único Juiz) não pode deixar ninguém inelegível. Pode haver algum equívoco na condenação, erros acontecem, e haveria uma grande injustiça com o sujeito que quer ser candidato.

 

Contudo, em relação ao sujeito que quer ser candidato, mas já foi condenado por algum “grupo de julgadores”, ou seja, um colegiado de juízes, este não poderá ser candidato. A razão da lei é simples: em um grupo de julgadores, a probabilidade de erro é menor, houve debate entre os membros deste colegiado, e a decisão tende a ser mais acertada. Essa é a razão da lei. É claro que a decisão colegiada, embora possa ser mais segura, de longe está isenta de também conter um equívoco.

 

É por isso que nossa Constituição (Lei Maior) estabelece que ninguém pode ser considerado culpado, até o trânsito em julgado de decisão judicial condenatória (presunção de inocência). Trata-se de importante conquista da sociedade moderna contra arbitrariedades. Portanto, uma decisão condenatória precisa passar por vários colegiados, de vários tribunais diferentes, antes de se tornar definitiva. Tudo isso, para que não condenemos inocentes. Logo, só após todo esse processo, podemos de forma segura afirmar sobre a culpa ou inocência de um cidadão.

 

A Lei da Ficha Limpa estabelece que uma única decisão colegiada, apenas uma, até mesmo sem ser do Poder Judiciário, já poderá ser um impeditivo ao direito de ser candidato de um cidadão. É um exagero da Lei. Pela Lei, o cidadão poderia ser penalizado com a inelegibilidade, mesmo que ainda não haja nada definitivo na seara judicial, havendo tão somente uma única decisão condenatória colegiada, sem caráter definitivo.

 

A Lei da Ficha Limpa fez uma escolha legislativa de punir moralmente e antecipadamente um pretenso candidato, em nome da Moralidade Pública (conceito jurídico indeterminado), ao invés de garantir o princípio constitucional da presunção de inocência.

 

Ainda sim, o Supremo Tribunal Federal entendeu que a Lei da Ficha Limpa é válida no nosso sistema constitucional (ADC’s 29 e 30, ADI 4578). De qualquer forma, mesmo diante da Lei da Ficha Limpa, uma candidatura não poderá ser negada de forma automática, de forma absoluta pelo Poder Judiciário, simplesmente por ter uma única decisão colegiada condenatória. O tribunal poderá negar uma candidatura, com base no princípio da Moralidade Administrativa. Portanto, o tribunal “poderá” negar essa candidatura, se entender que esta pode atentar contra a Moralidade.

 

Não se trata de um “dever” de negar a candidatura do cidadão, mas de uma possibilidade, a ser analisada em cada caso concreto (artigo 26-C). Caso o tribunal entenda que não haverá violação à Moralidade, ele poderá deferir o registro da candidatura, mesmo com uma decisão colegiada condenatória.

 

Ainda assim, o tribunal igualmente só poderá declarar a inelegibilidade se houver questionamento desse registro. Do contrário, a candidatura segue seu rumo natural (artigo 16-A da Lei 9.504/97). A única hipótese em que não poderá, de forma absoluta, o registro da candidatura é com relação às decisões condenatórias em caráter definitivo, ou seja, com trânsito em julgado, uma vez que aí sim haverá a suspensão dos direitos políticos, segundo a Constituição.

 

Em conclusão: a Lei da Ficha Limpa não retira automaticamente o direito de ser candidato daqueles que sofrerem alguma condenação colegiada, mas abre tal possibilidade tão somente em situações onde a Moralidade Pública o exigir. Não há uma obrigatoriedade em negar o registro da candidatura, mas tão somente uma possibilidade. Existe sim a viabilidade jurídica de um candidato condenado por decisão colegiada concorrer licitamente às eleições pretendidas.

Daniel Souza é advogado, mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense, pós Graduado em Direito Civil, Processual Civil e Empresarial pela Universidade Veiga de Almeida, ex-Chefe da Divisão Jurídica do município de Quatis e professor universitário de Direito do Centro Universitário Geraldo di Biase.