Por Pollyanna Xavier
Antônios, Marias, Josés, Carlos, Mários, Anas, Márcias, Roneis. Inumeráveis pessoas morreram vítimas da Covid-19 entre março de 2020 e maio de 2023. Foram 1.150 dias de emergência e um triste saldo: 270 milhões de infectados em todo o mundo, 5,3 milhões de mortos e 210 países atingidos. Na sexta, 5 de maio, um anúncio trouxe um alento às famílias enlutadas: a Organização Mundial da Saúde declarou o fim da Covid. O anúncio, porém, não pôs fim ao enfrentamento
do vírus, mas encerrou a ameaça sanitária que ele representou por longos 38 meses.
No Brasil, foram quase 700 mil mortes. A vacina chegou tardia, mas ajudou a salvar vidas. Em Volta Redonda, a realidade da pandemia estourou no dia 19 de março de 2020, quando a Justiça decretou o fechamento do comércio, proibiu shows e eventos esportivos. Impediu até a feira livre. Os shoppings fecharam as portas, e qualquer atividade com a presença de público e aglomeração, como cinema, teatro, missas, jogos no Raulino, entre
outras, estava suspensa. Naquele dia, a cidade ainda não tinha nenhum caso positivo, mas os prontos-socorros dos hospitais públicos e particulares começaram a lotar de pacientes sintomáticos. Mais de 100 notificações da doença chegaram a ser registradas.
A primeira morte surgiu em 21 de março – um senhor de 66 anos, que estava no HSJB. Dois dias depois, a irmã dele, de 66 anos, também faleceu vítima da doença. Àquela altura, a cidade do aço já registrava 25 casos confirmados e figurava como o terceiro município do estado em números da Covid, atrás apenas do Rio e de Niterói. Em poucos meses, a prefeitura transformou o Raulino de Oliveira em Hospital de Campanha e aproveitou o dinheiro fácil do SUS para homologar o maior número de leitos hospitalares que podia. O esforço trouxe um revés: a perda da metade deles para o Estado. Hospitais como o do Retiro e o HSJB passaram a receber pacientes vindos até do Norte Fluminense.
O Hospital Regional, no Roma, chegou a devolver pacientes não- Covid para os municípios e passou a atender só as vítimas da pandemia. O pior aconteceu no dia 15 de abril, quando um caminhão frigorífico, contratado pela secretaria de Estado de Saúde, chegou para servir de necrotério para armazenar corpos. Até aquele dia, 19 pessoas já tinham morrido no Regional e outras 72 estavam internadas em suas enfermarias e UTIs. A falta de comu- nicação do hospital com familiares dos pacientes, especialmente na divulgação de boletins médicos, já que as visitas eram proibidas, levou o MP a determinar a instalação de um telefone e a contratação de profissionais só para este fim.
Aos municípios da região, o MP exigiu a elaboração e apresentação de um plano de contingência para o enfrentamento da Covid. No documento, as prefeituras precisavam informar número de leitos disponíveis, de profissionais, de respiradores e outros insumos, os gargalos, a capacidade hospitalar e até a dos cemitérios. Em cada questionamento, a responsabilidade dos gestores aumentava e o medo tomava conta da população. Nos telejornais, as notícias indicavam a média móvel do número de mortos. O pico foi alcançado em março de 2021, quando o Brasil atingiu quase 80 mil óbitos no mês, com média de 2,5 mil por dia. Para jornalistas, a Covid trouxe dificuldades em reportar as notícias, porque os dados coletados na apuração já não eram mais os mesmos no momento da publicação da matéria. Os números mudavam a toda hora.
No final de abril, a população de Volta Redonda completou um mês em quarentena e os comerciantes – especialmente os menores – quase quebraram. Ou quebraram. Abaixo-assinados surgiram pedindo a abertura do comércio. E para isso defendiam o isolamento vertical de idosos e portadores de doenças crônicas e a liberação dos demais para o trabalho. O problema era que Volta Redonda já registrava mais de 700 notificações da doença, 10 óbitos e apresentava lotação dos hospitais públicos e carência de vagas no Hospital Regional, que só desocupava leitos se o paciente morresse. Pela lógica, se a prefeitura cedesse ao pedido dos lojistas, os casos poderiam dobrar e não haveria leitos para tantos doentes.
E quase não houve mesmo. O sistema de saúde colapsou. Não havia vagas nos hospitais. Os leitos foram parar nos corredores e UTIs eram improvisadas em macas. Os profissionais de saúde trabalharam à exaustão. O Laboratório Central do Estado do Rio (Lacen-RJ) não dava conta de tantos exames, e os resultados começaram a atrasar. Os testes rápidos foram ficando cada vez mais escassos nas unidades de saúde e seus usos se limitaram a pacientes sintomáticos. Muitos que estavam positivados, mas não apresentaram sintomas, não foram testados. Eles voltaram pra casa sem saber do diagnóstico da Covid e acabaram infectando outras pessoas. Há vários históricos do tipo.
No final de maio de 2020, no 80° dia de quarentena, Volta Redonda já registrava quase 900 infectados pela Covid. Os números da prefeitura divergiam com os do Estado, e a população percebeu que estava diante de uma subnotificação imensa. Naquele mesmo mês, o sistema cartorário brasileiro passou a divulgar a transparência no registro de óbitos e, pela primeira vez, delimitou a causa da morte. Era possível, por exemplo, pesquisar o número de óbitos pela Covid nas cidades com mais de 100 mil habitantes. O acesso a essa informação surpreendeu: a cidade do aço tinha 124 mortos, contra os 31 anunciados pela prefeitura. Os dados eram oficiais.
Em junho de 2020, a prefeitura já havia perdido o controle em Volta Redonda. Mais de duasbmil pessoas infectadas e os óbitos ultrapassando a casa dos 100, o então prefeito Samuca Silva tomou uma decisão polêmica: fez um acordo com um médico da UFRJ e aceitou expor a população ao experimento de uma medicação sem nenhuma comprovação científica. A partir dali, qualquer infectado que procurasse o hospital tomava o Nitazoxanida – um poderoso antiparasitário indicado para infecções gastrointestinais. Mais tarde, descobriu-se que a prefeitura pagou R$ 463 mil pelo experimento e que ele não serviu pra nada. Só a vacina foi capaz de frear o vírus e as mortes.
No final de 2020, Volta Redonda já contava quase 270 mortos, e a população enfrentava uma nova onda da doença – provocada pela mutação do vírus e o surgimento de novas variantes. O perfil de contaminados era outro: jovens, abaixo dos 40 anos, sem comorbidades. Isto aconteceu porque bares e boates voltaram a funcionar e a aglomeração de frequentadores sem máscara era visível. Filas se formavam na entrada das casas noturnas, e as redes sociais foram tomadas por fotos que denunciavam violações ao distanciamento social. Nada era fiscalizado. As mortes da pandemia foram muitas, e não há quem goste dos números. Volta Redonda perdeu pessoas anônimas e públicas. Perdeu Paschoal Possidente, presidente do Gacemss; Eduardo Ermita Filho, mais conhecido como o Dadinho do Presépio; Sérgio Loureiro, fundador da Transporte Excelsior; o publicitário Marcelo Argolo de Oliveira; Hiroshi Matsuda, médico cardiologista; obcomerciante Mário Sakae Uchikado; o ex-procura- dor-geral do município, Augusto Nogueira; os guardas municipais Ilça Enalda, Nicholas de Oli- veira e Carlos Roberto Simão; Maurício Monteiro, o Porreca e o médico ginecologista Carlos Alfredo.
A pandemia em Barra Mansa
Barra Mansa tem uma particularidade quando se fala em coronavírus. O município foi o primeiro do estado a confirmar um caso da Covid, em março de 2020. Tratava- se de uma servidora da prefeitura que havia retornado de um período de férias pela Europa. Ela cumpriu isolamento e se recuperou. A cidade registrou ainda outra particularidade: um técnico de enfermagem foi flagrado aplicando uma vacina – com seringa vazia – em um idoso do Getúlio Vargas. O caso foipararnaDP,eo funcionário foi demitido.
O enfrentamento da Covid também não foi fácil. Barra Mansa registrou 766 óbitos e mais de 44 mil casos positivos da doença. Por lá, a vacinação começou em janeiro de 2021 e praticamente todas as pessoas receberam pelo menos uma dose da vacina. Em números oficiais, Barra Mansa aplicou 413 mil doses da vacina, sendo que 33 mil já tomaram a quarta dose e pelo menos 9.658 receberam a Bivalente, que, em tese, protege contra novas formas do coronavírus. O fim da Covid, decretado pela OMS, representa o fim de uma ameaça sanitária internacional, mas não indica a erradicação da doença. Ainda é preciso cuidado e enfrentamento. “A batalha não acabou (…) a história tem mostrado que uma pandemia só termina quando aparece outra”, comentou Michel Ryan, diretor executivo da OMS, acendendo um alerta mundial e um olhar atento às possíveis novas cepas do vírus da Dengue, Zika, Gripe e Influenza. Todo cuidado é pouco.