Pollyanna Xavier
Segunda, 29, por volta das 22 horas, Danila Areal – representante de uma conceituada marca de cosméticos – fez uma transmissão ao vivo em sua página no Facebook para denunciar a agressão sofrida pelo ex-marido. Com medo de ser assassinada, Danila implorou por ajuda. “Gente, me ajudem, ele veio aqui no sábado para me matar, ele vai me matar. Pelo amor de Deus, compartilhem este vídeo, me ajudem, estou desesperada”, chorava, aos prantos. Tem mais. Ela não usou maquiagens para esconder as marcas da agressão: os olhos estavam roxos e inchados e havia hematomas nos ombros e pescoço. Até ao meio dia de ontem, sexta, 2, seu ex-marido não tinha sido preso.
Danila tem 28 anos e é mãe de duas meninas – a caçula, de apenas 11 meses, é filha do agressor. Há oito anos ela vivia com seu ex-marido. “Passei minha gravidez toda apanhando”, revelou. Durante a transmissão ao vivo, Danila chorou muito e pediu proteção à Justiça. Segundo contou, aos prantos, no início da manhã de sábado, 27, ela apanhou na rua – na porta da casa de uma amiga, no Retiro – por uma hora seguida até desmaiar. A amiga assistiu a tudo desesperada, mas só conseguiu interferir quando Danila caiu desacordada. “Pensei que ela tivesse morrido”, contou Raila de Almeida, que a acolheu desde a separação. Raila também foi agredida pelo ex-marido de Danila.
O vídeo no Facebook foi visto por milhões de internautas e gerou mais de 300 mil compartilhamentos. “Pedi que compartilhassem para chegar às autoridades para eu não morrer”, disse. Devido à grande repercussão, o pedido desesperado da mulher acabou sendo atendido e o juiz Maurício Magnus, da Vara de Violência Doméstica, concedeu a medida protetiva que ela implorava. Com isto, o agressor terá que se manter afastado por pelo menos 50 metros de distância de Danila ou de qualquer um de seus parentes. Também não poderá frequentar sua casa e o seu local de trabalho.
Além da medida protetiva, que tem validade por seis meses, Danila vem sendo assistida pela secretaria de Políticas Públicas para Mulheres de Volta Redonda. Parte desta assistência virá da Casa da Mulher Bertha Lutz – especializada no acolhimento de mulheres em situação de risco –, onde Danila terá, caso queira, atendimento e acompanhamento psicológico especializado. Durante a semana, a jovem também esteve no Fórum da cidade e ainda se encontrou com a advogada Patrícia Carvalho, que integra a Comissão da OAB Mulher do Rio de Janeiro. Todas manifestaram apoio à vítima.
Em entrevista à imprensa local (rádio, jornais e TVs), Danila contou, com riqueza de detalhes, a agressão da qual foi vítima. Segundo relatou, na sexta, 26, à noite, ela foi a uma boate no Retiro e lá se encontrou com o ex-marido. A princípio conversaram e quando ela ia embora, ele se ofereceu para acompanhá-la até o bairro Santa Rita do Zarur, onde Danila deixaria uma amiga em casa. Ela achou melhor não aceitar, mas com a insistência das amigas, que ficaram preocupadas de ela ter que voltar sozinha, Danila acabou aceitando a carona do ex-marido.
No retorno à casa de Raila, ele teria tentado levantar o vestido de Danila e agarrá-la. Os dois teriam se desentendido ainda no carro e ela teria sido agredida. O ex-marido estaria embriagado e Danila conta que jogou a chave do veículo na varanda da casa, porque temia que ele provocasse um acidente de trânsito devido ao seu estado. Esta situação o irritou e ele passou a agredi-la. Quatro homens que estavam na rua, naquele momento, interferiram e separaram a briga. Foi quando Danila gritou para que a amiga ligasse para a Polícia Militar e o ex-marido acabou fugindo a pé. Os homens que ajudaram a mulher se dispersaram.
Danila disse que seu erro foi ter ficado do lado de fora da casa de Raila, aguardando a chegada da PM. Ela não esperava que o ex-marido retornasse de carro, minutos depois. “Ele andava armado, eu sabia que ele tinha uma arma no carro. Provavelmente iria me matar. Quando eu o vi voltando, entrei em pânico”, lembra. A partir daí, Danila pediu que a amiga entrasse, trancasse a porta e protegesse as crianças. Enquanto isto, ela passou a ser agredida pelo ex-companheiro. “Os vizinhos olhavam pelas janelas, mas ninguém fez nada para impedir a violência”, contou revoltada.
As agressões prosseguiram. O homem deu vários socos no rosto da ex-mulher até derrubá-la ao chão. Dentro de casa, a amiga ligava, incansavelmente, para a Polícia Militar e para o Centro Integrado de Operações de Segurança Pública (Ciosp) pedindo socorro. Só para o Ciosp teriam sido 20 chamadas. Como o atendimento demorava, Raila pegou um martelo, saiu de casa e quebrou o vidro do carro do agressor. Só então a violência contra Danila cessou. Em compensação, ele teria passado a agredir a amiga. “Foram cenas de horror”, relembra Raila.
Histórico
Desde que se separou, há pouco mais de um mês, Danila chegou a ter encontros amorosos com o ex-marido. “Ele tentou me reconquistar, era carinhoso, amoroso. Vivemos juntos por oito anos, ele é pai da minha filha e desde que me separei dele, não me relacionei com mais ninguém, então tinha esperanças de restaurar meu casamento. Mas ele foi se mostrando possessivo, ainda mais agressivo e eu cheguei a pedir proteção à Justiça”, relatou.
O pedido foi feito no dia 28 de abril, depois de uma briga e Danila fez corpo delito, representando contra o marido na Deam pedindo uma medida de proteção para que ele não chegasse perto dela. Foi marcada, então, uma espécie de oitiva, onde Danila teria que se apresentar ao juiz. Contudo, ela não compareceu à audiência.
Em entrevista à imprensa, a delegada Maria Madalena Carnevale contou que, infelizmente, é muito comum uma mulher agredida representar contra o agressor, voltar atrás e retirar a queixa. Ou não comparecer à audiência, como fez Danila. A maioria se submete até mesmo a continuar vivendo com o agressor. Muitas fazem isto para evitar expor os filhos e a si própria. Pior, apanham e sentem-se culpadas. Ledo engano.
Para Danila, a transmissão ao vivo na rede social, para pedir ajuda e denunciar as agressões sofridas, foi a única saída para ser atendida pela Justiça. “Estava com muito medo de morrer”, desabafou. “Não imaginava tamanha repercussão, só queria que meus amigos me ajudassem”, disse. Na quarta, 31, a delegada Maria Carnavale pediu a prisão preventiva do ex-marido de Danila. A solicitação foi acatada pela Justiça e o ex-marido da vítima já é considerado um foragido. Seu advogado esteve na Deam durante a semana e disse à delegada que seu cliente iria se entregar, mas até o fechamento desta edição, na sexta, 2, isto não tinha acontecido.
O que diz a Lei Maria da Penha?
A Lei n. 11.340, a popular Lei Maria da Penha, entrou em vigor em 2006, dando ao país salto significativo no combate à violência contra a mulher. Uma das formas de coibir a violência e proteger a vítima assegurada pela norma é a garantia de medidas protetivas. Elas são aplicadas após a denúncia de agressão feita pela vítima à Delegacia de Polícia, cabendo ao juiz determinar a execução desse mecanismo em até 48 horas após o recebimento do pedido da vítima ou do Ministério Público. O problema é que a partir daí, a vítima esbarra em duas situações graves: a primeira é que 48 horas são um tempo muito extenso e o agressor pode matar a pessoa no intervalo entre a denúncia e o deferimento da proteção por parte do juiz. E a segunda é que não há nada que, de fato, assegure que o agressor vá cumprir o distanciamento ordenado pela Justiça.
Pela lei, a violência doméstica e familiar contra a mulher é configurada como “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. Diante de um quadro como esse, as medidas protetivas podem ser concedidas de imediato, independentemente de audiência das partes e da manifestação do Ministério Público. No caso da Danila, o primeiro pedido de proteção não foi deferido imediatamente, o que deu brecha para que a vítima – com medo ou vergonha – não comparecesse perante o juiz para ter o direito assegurado, o que fez com que as agressões se repetissem.
Muito machucada física e emocionalmente, Danila acabou conseguindo a medida protetiva contra seu ex-marido. Mas ela espera que a Justiça avance e ele seja preso, não apenas para que as agressões cessem, mas para que ele não desobedeça à decisão do juiz e se aproxime dela – o que não é raro acontecer.
Passado o pânico inicial, Danila quer retomar sua rotina de trabalho, levar as filhas à escola, ir ao mercado, médico, visitar suas clientes, mas agora com uma atividade a mais: ela quer se engajar na luta das mulheres contra a violência doméstica. “Sei que não sou a única, como eu existem milhares de mulheres por aí que são vítimas de seus maridos. Isto não está certo. Isto não é legal. Nada justifica apanhar do companheiro”. Ela tem razão. Nada justifica!