Marco Temporal pode prejudicar mais de dois mil indígenas da região

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Ciro: “Marco Temporal pode atingir todas as aldeias do estado”

Por Vinícius de Oliveira

O Marco Temporal, pesadelo dos povos indígenas brasileiros, foi promulgado, ao apagar das luzes de 2023, pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Serviu, entre outras, para aumentar a tensão ao menos de 58,75% dos 2.080 indígenas que vivem no Sul Fluminense de maneira tradicional, segundo dados do IBGE. É o caso dos integrantes das comunidades do Rio Pequeno e Arandu-Mirim, ambas de Paraty, que estão entre os 1.800 teritórios ainda em processo de regularização no país inteiro.
Em 2008, a Funai chegou a constituir grupos de trabalho para a identificação de uma nova área que abrangeria essas aldeias. Conforme prevê a Comissão Pró-Índio de São Paulo, organização sem fins lucrativos que estuda e mapeia as aldeias indígenas do sudeste brasileiro, os estudos desse GT já foram concluídos, mas ainda não passaram por avaliação da Funai. E se o Marco ‘vingar’ da forma que foi criado, nem precisará. “Essas aldeias são bem recentes e devem sofrer ainda mais com a tese do Marco Temporal. Imagina perder o direito à sua casa, ao chão em que você estabeleceu sua vida…”, pontuou o cacique Miro, líder indígena que atua na região.
Os indígenas também não sabem ao certo o destino de aldeias maiores já demarcadas, como Araponga e Paraty-Mirim, ambas localizadas em Paraty e com dimensão de 213 e 79 hectares, respectivamente. Também ficaram sob tensão os indígenas da famosa Sapukai de Bracuí, onde vive o cacique Miro. Localizada nas imediações do Parque Nacional da Bocaina, em Angra dos Reis, e considerada a maior comunidade indígena do Rio de Janeiro, com uma extensão territorial de 2.127 hectares, o território abriga mais de 600 pessoas do povo Guarani que temem ter suas terras reivindicadas por grileiros e grandes fazendeiros, como aconteceu em um passado recente ou mesmo pelo estado.
Vale citar que os três territórios foram reconhecidos pela União como áreas de proteção em 1996 e homologados pelo governo Federal, que os reconheceu oficialmente como terras tradicionais do povo Guarani, garantindo-lhes a posse permanente dessas terras. Contudo, a tese do Marco Temporal coloca em risco a soberania desses indígenas sobre esses territórios ao definir como marco o dia 5 de outubro de 1988, quando a Constituição Federal foi promulgada. Ou seja, os povos que não estavam na terra nesta data não terão plenos direitos a ela. Uma armadilha jurídica causada pelo STF quando julgou o caso de Raposa do Sol ao dar para os indígenas de lá o direito à terra, se baseando no fato de que já pleiteavam sua posse na data da promulgação.
Com o Marco Temporal, uma instabilidade jurídica se anuncia. Indígenas que vivem em terras homologadas como Araponga, Paraty-Mirim e Sapukai podem ser obrigados a comprovar que já habitavam o local antes de 1988. Se tiverem que fazer isso podem não conseguir juntar as provas necessárias, pois muitos povos foram desapropriados de seus territórios de origem e tiveram que se refugiar para sobreviver. “É uma situação bem preocupante. Estamos muito distantes do Marco Temporal. Mas não apenas nós seremos afetados. A decisão vai alcançar todas as aldeias do estado, principalmente aquelas que ainda nem são demarcadas”, disse Ciro.
No entanto, segundo a prefeitura de Angra dos Reis, que se manifestou ao jornal através de uma nota, ao menos Miro e os demais guaranis que vivem na Aldeia de Bracuí podem ficar tranquilos, pois o Marco não deve afetá-los. Há registros anteriores ao processo de demarcação que lhes garantem o direito à terra. “Localizada no bairro Bracuí, e registrada em cartório como território indígena desde 1993, a aldeia registrou a chegada dos primeiros guaranis no final do ano de 1983, o que reforça que o Marco Temporal não deve se aplicar às terras indígenas da cidade”, explicou.
A prefeitura de Angra dos Reis ainda garante que o governo dialoga com os representantes dos povos originários assentados em território angrense. “A prefeitura de Angra dos Reis mantém uma boa interlocução com as lideranças das comunidades quilombolas e indígenas. Existe um diálogo permanente para alinhar assuntos inerentes ao cotidiano da Aldeia. Ao longo de 2023, a Prefeitura elaborou uma série de projetos para Aldeia, além de agregar parcerias dentro do governo municipal e também com empresas privadas”, diz.
Já a prefeitura de Paraty, que também foi procurada para comentar a situação dos indígenas, não se manifestou. A assessoria de imprensa do governo adiantou, no entanto, que o caso está sendo acompanhado pela Procuradoria-Geral do Município.
Estudiosos da área defendem que o Marco Temporal trará danos irreversíveis ao país em âmbitos diversos, podendo fomentar o início de novas disputas pela terra, inclusive em territórios já pacificados ou mesmo trazer distúrbios ao Meio Ambiente, pois, com seu principal defensor enfraquecido, acredita-se que agricultores e grileiros terão mais espaço para desmatar, provocando o desequilíbrio nos regimes de chuva, aumento na temperatura e outras formas violentas de manifestação da natureza. “O Marco temporal é a maior privatização de terras do país”, dispara Ailton Krenak, líder indígena, filósofo, poeta e renomado escritor do povo Krenak.