Por Pollyanna Xavier
Na semana em que foram comemorados os 84 anos de fundação da CSN e os 32 anos da privatização da maior empresa siderúrgica da América Latina, o aQui foi atrás de uma das figuras mais emblemáticas do processo de transição de empresa estatal para privada: o engenheiro Roberto Procópio Lima Netto, que chegou a presidir a CSN. Aos 85 anos, morando no Rio, Lima Netto conversou com a reportagem por telefone e contou detalhes da venda da Companhia e das dificuldades financeiras enfrentadas no início dos anos 1990. Entusiasta declarado da liquidação da CSN, Lima Netto afirma, categoricamente, que a privatização salvou a empresa. Mineiro de Belo Horizonte, o engenheiro com doutorado em Planejamento Econômico pela Universidade de Stanford (EUA) chegou à CSN em 1990, com o objetivo de ser o condutor da privatização. Lima Netto acreditava que a venda era a única saída para enfrentar a grave crise financeira que se instalou no país a partir de uma prolongada recessão dos anos 80. Por causa desse pensamento, ele foi escolhido pelo ex-presidente Fernando Collor para assumir o comando da CSN e fortalecer o ciclo de privatizações que havia começado no país dois anos antes.
Porém, com o impeachment, Lima Netto acabou demitido e a privatização foi concluída “a contragosto” por Itamar Franco. A CSN foi arrematada por um consórcio de investidores formado pelos grupos privados Vicunha e Bamerindus e pela estatal Vale do Rio Doce. O grupo pagou um bilhão de dólares com dinheiro emprestado pelo BNDES, num leilão tumultuado realizado na Bolsa de Valores do Rio, no dia 5 de abril de 1993. Há exatos 32 anos. Confira o que Lima Netto fala sobre o episódio.
aQui: O senhor participou ativamente do processo de privatização, inclusive era o presidente da CSN na época.
Lima Netto: Participei do processo, mas não era o presidente quando ela foi privatizada em abril de 93. Eu fui nomeado pelo presidente Collor em 1990 e demitido pelo Itamar Franco quatro meses antes da privatização. Quatro meses depois que a CSN foi privatizada, fui readmitido como presidente.
aQui: Por que isso aconteceu?
Lima Netto: Eu era a favor de que a CSN fosse privatizada. Fiz muita campanha entre os trabalhadores na época, e dava muitas palestras para eles explicando a importância daquilo. Mas o Itamar era contra. Ele era um nacionalista, não concordava com a venda, achava que a CSN iria se recuperar da crise que vinha se arrastando desde a década de 1980, então ele me tirou e colocou o engenheiro Faria no meu lugar. O Faria era contra a privatização (Sebastião Faria, atual vice-prefeito de Volta Redonda, grifo nosso).
aQui: O senhor fez campanha entre os trabalhadores pró-privatização, como foi isso?
Lima Netto: Sim, eu fiz um grande trabalho de convencimento com os trabalhadores. Eu tinha o objetivo de vender para os operários 20% das ações da CSN e 20% do Fundo de Pensão da CBS. Se conseguisse, 40% das ações ficariam nas mãos dos trabalhadores e eles seriam maioria. Mas não conseguimos fazer isto, porque os trabalhadores tinham muito medo, ninguém acreditava que a CSN se tornaria uma empresa lucrativa, por isso precisei dar muitas palestras sobre o assunto. No final, eles ficaram com 11% das ações da empresa e 12% do Fundo de Pensão.
aQui: Enquanto tentava convencer os trabalhadores, como o Sindicato reagiu?
Lima Netto: Eu entrei na CSN em 1990, e a CUT dominava o Sindicato. Então teve uma eleição que a CUT tinha tudo para ganhar. Eu subi no palanque e disse que os trabalhadores perderiam seus empregos se ela entrasse no Sindicato. Tinha um cara chamado Medeiros (Luiz Antônio, grifo nosso) que era o presidente da Força Sindi-cal e o Albano, que era do Sindicato (Luiz Albano, diretor sindical na gestão de Wagner Barcellos, grifo nosso). O Albano era um cara muito corajoso, para mi ele foi o grande herói da privatização. Quando eu saí, ele enfrentou o engenheiro Faria dizendo que a Usiminas, principal concorrente, já estava privatizada há dois anos e que a CSN não sobrevi- veria se continuasse estatal, ou seja, a Usiminas passaria a CSN. A empresa operava no prejuízo e tinha muita roubalheira naquela época. O engenheiro Faria não se envolvia nisso, era uma pessoa muito correta e competente, só que era contra a venda. Agora, você veja bem, eu subi no palanque para apoiar o Sindicato!
aQui: E os trabalhadores te ouviram?
Lima Netto: Com certeza. Tanto que não elegeram o candidato da CUT.
aQui: Mas a CSN demitiu muitos trabalhadores depois que foi privatizada…
Lima Netto: Não. As demissões começaram antes. A CSN já tinha começado a liquidação do quadro antes mesmo de ser privatizada. Quando eu entrei, a empresa estava arrebentada. Eu reduzi o número de funcionários de 24 mil para 17 mil. Mesmo assim, os trabalhadores me acompanharam. Eu fiz a diretoria, reduzindo a quantidade de diretores, e tirei todos os cupinchas do Collor. Deixei um pessoal competente, que me ajudaria a reerguer a CSN. Então, não foi a privatização que demitiu, eu já tinha iniciado essa redução e, depois da privatização, o quadro foi ajustado.
aQui: Mas o senhor também reduziu os salários dos trabalhadores.
Lima Netto: Sim, reduzi os salários dos trabalhadores e dos diretores também. Naquela época, a Usiminas e a Cosipa tinham os melhores salários entre as empresas privadas, e eu equiparei os salários da CSN aos delas. Eu enfrentei o Superior Tribunal do Trabalho, que me intimou para dar explicações sobre o fato de eu só aceitar dar 29% de reajuste salarial naquele ano.
aQui: 29% é um excelente percentual.
Lima Netto: Mas a inflação da época batia em 50%, e eu não tinha condições de repor este percentual, então dei 29% e tive que explicar isto para o Tribunal do Trabalho. Eu enfrentei uma grande greve por causa disso, mas não cedi e, aos poucos, os trabalhadores voltaram à Usina. Eu sabia que quando voltassem eu teria um inimigo por trás de cada máquina, mas economicamente falando era impossível atender o que os operários queriam. A campanha salarial foi decidida no dissídio, e a Justiça do Trabalho entendeu que 50% era impossível e acabou aceitando os 29% que desde o início eu falei que iria dar.
aQui: Quanto tempo depois da privatização o senhor ainda ficou na CSN?
Lima Netto: Um ano. Depois fui demitido. Quando eu entrei, não entendia muita coisa de siderurgia. Eu sou um engenheiro civil, mas comecei a vivenciar a empresa e fui arrumando a casa. Naquela época, a CSN precisava de 600 milhões de dólares para voltar a operar no azul. Então eu fui pedir esse dinheiro para a Zélia (Cardoso de Mello, grifo nosso), que era ministra do Collor. Ela disse que não iria dar nada, e eu falei que a CSN iria fechar. É por isto que eu apoiei a privatização. A empresa estava numa situação muito difícil, e o Estado não queria socorrer. A CSN iria quebrar, e a cidade iria junto. Eu não acredito no sistema estatal, simplesmente porque tem política no meio.
aQui: Por falar em cidade, o senhor sabia que muitos imóveis e terras em domínio da CSN estatal foram vendidos junto com a empresa?
Lima Netto: Eu sabia da Fazenda (Santa Cecília, grifo nosso), do Hotel (Bela Vista), da Escola (ETPC) e do Shopping (Sider). Mas o Shopping nem era dela, era da CBS. Tinha mais?
aQui: Muito mais. Havia clubes, imóveis na Rua 33, terras em vários bairros da cidade….
Lima Netto: Eu nãosabia que esse patrimônio tinha entrado no leilão. A privatização foi feita pelo BNDES, que montou o edital e conduziu toda a negociação.
aQui: O senhor tem acompanhado a CSN privatizada?
Lima Netto: Não acompanho, mas imagino que a empresa vai enfrentar uma situação difícil por causa do (presidente) Trump.
aQui: O que acha do Benjamin Steinbruch?
Lima Netto: Eu realmente acredito que ele vai passar apertado com os Estados Unidos. Mas não acompanho o trabalho dele e nem a CSN mais, saí de lá muito triste.
aQui: Por quê?
Lima Netto: Porque depois de dar um duro anado para privatizar a empresa, me demitiram. Fui desligado um ano depois da privatização. Me deram um Golden Share e fizeram isto não pelo que eu tinha feito pela CSN, mas sim por eu ter palestrado e convencido os trabalhadores. Eles sabiam que eu tinha influência sobre eles. Eu subi no palanque para defender o Sindicato, eu conversava com os trabalhadores e eles me ouviam. Então quando eu fui demitido, me deram esse Golden Share, com medo de eu colocar os trabalhadores contra eles (risos).
aQui: O senhor faria isso?
Lima Netto: Claro que não (mais risos).
aQui: Costuma vir a Volta Redonda?
Lima Netto: Não. Hoje moro no Rio, mas tô precisando visitar os amigos. Gosto muito do prefeito Neto, ele é um cara que sabe governar. Também gosto do Albano, eu sou fã dele. Você podia entrevistar ele. Hoje estou me dedicando aos meus projetos, não me aposentei totalmente. Escrevi alguns livros; se eu morasse aí em Volta Redonda, te daria um exemplar.