quinta-feira, outubro 3, 2024
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Justiça condena volta-redondense por caso de homofobia e racismo

Por Vinícius de Oliveira

Hadson Teixeira (na foto) se tornou protagonista de um capítulo inédito na história da Justiça em Volta Redonda. É o primeiro negro homossexual da cidade do aço a ganhar uma ação de racismo e LGBTfobia. O valor de R$ 7 mil não importa. O que importa é o que representa para a classe. Afinal, no calor de uma discussão banal sobre o tamanho de um cachorro, em maio de 2021, no bairro Monte Castelo, o rapaz de 21 anos se viu no epicentro de um confronto que transcendeu os limites da civilidade.
“Sempre essa colega passeia com seu cachorro próximo à casa dela. Nesse dia, um homem (cujo nome será preservado) começou a ofendê- la, alegando que o cachorro era grande e estava na rua. Eu e outra amiga, vendo a situação, nos aproximamos como forma de apoio. Em nenhum momento eu abri a minha boca para falar ou ofendê-lo. Ele, no entanto, começou a me atacar de formas horríveis. Ficava perguntando: ‘O que você está olhando, seu boiolinha? Sua bichinha’. E me chamava de macaco e crioulinho”, relembrou Hadson, alternando momentos de indignação e perplexidade.
Hadson se lembra bem do estado de impotência que se abateu sobre ele e seus amigos durante e depois do caso de violência gratuita, a ponto de não ter ânimo para se defender. “Naquele momento ali, eu não consegui ter reação nenhuma. Nem de gravar, nem de gritar… Nada. A única coisa em que eu pensei foi chamar a polícia. Porém, como estava nervoso, não consegui focar nisso”, relembrou, ainda capaz de sentir o frio na espinha.
O episódio, já angustiante, piorou à medida que Hadson, em busca de proteção, enfrentou não apenas o agressor, mas também a aparente apatia das autoridades policiais. O primeiro boletim de ocorrência (BO) foi cancelado, sinalizando uma dura batalha que ele teria de enfrentar. “Tive apoio dos meus amigos ali, claro, mas das autoridades não tive nenhuma. Foi um sacrifício para eu conseguir fazer um BO (Boletim de Ocorrência). Foi humilhante! O primeiro registro foi ‘cancelado’ e tive que ir lá pessoalmente. Depois me pediram pra refazer o boletim de forma on-line, ou seja, fizeram desfeita do caso, como se fosse uma coisa simples e
normal pra eles. Com muito custo, consegui fazer o BO”, contou.
Sem provas materiais para comprovar sua história e lidando com a burocracia das forças de segurança, Hadson, determinado, contou com três fatores imprescindíveis: um advogado sensível à sua causa; o apoio dos amigos que tiveram a coragem de testemunhar a seu favor; e, principalmente, o desinteresse do acusado em se defender como se contasse com uma até então impunidade.
Os três anos de tensão terminaram em uma decisão de importância significativa: a 3a Vara Cível de Volta Redonda condenou o agressor a pagar para Hadson uma multa de R$ 7 mil. Cabe recurso. Mas, de acordo com a sentença, o valor fixado foi um meio de punir, educar e também compensar o dano sofrido não só por Hadson, mas por toda a comunidade negra e LGBTIA+ de Volta Redonda. “Uma vez evidenciado o dano moral, passa-se à tarefa de sua quantificação. Com efeito, para a fixação do montante indenizatório, é considerada, de forma razoável, sua função compensatória, não se olvidando do caráter punitivo-pedagógico da condenação e da vedação ao enriquecimento ilícito. Considera-se, ainda, a extensão do dano, a gravidade da conduta da ré, bem como a repercussão social”, diz a sentença que consta dos autos.
Para o advogado João Paulo Donadio, que acompanhou Hadson na dura jornada, o caso é emblemático e deveria entrar para a história da cidade do aço. “Trata-se de condenação em âmbito cível, ou seja, de reparação de danos, pela prática de racismo e LGBTfobia praticado na Comarca de Volta Redonda. O caso foi julgado após a vítima ter sido insultada com palavras imensamente preconceituosas, criminosas e de injúria; mas que infelizmente ainda fazem parte da realidade social no país. Por isso, condenações assim, mesmo que em âmbito cível, se fazem necessárias no sentido de mostrar para a sociedade que práticas como essa estão cada vez menos sendo toleradas e sendo punidas cada vez mais”, disse.
“Sabemos que nem 1 milhão de reais repararia uma injúria ou dano moral de qualquer natureza, mas casos como este costumam nem ter desfecho. Consideramos uma vitória de extrema importância para a comunidade negra e LGBTIA de Volta Redonda. Muitos casos parecidos com esse acontecem todos os dias, e nenhuma punição era dada. Com essa decisão, entendo que a justiça local começa a confirmar que por aqui, no Sul Fluminense, homofobia e racismo também são crimes!”, comemorou o advogado. Hadson Silveira, agora triunfante, diz não buscar apenas reparação financeira, mas simboliza uma esperança renovada para todos que enfrentam a intolerância. “Foram praticamente três anos de tensão esperando a resposta da Justiça, e obtive uma sentença favorável a mim. Doeu, e hoje eu posso falar que homofobia e racismo são crimes, e que esta conquista não é apenas minha, mas uma luta coletiva contra o preconceito, destacando que a Justiça pode ser tardia, mas é, finalmente, feita”.

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