Vinicius de Oliveira
Desde que Gilberto Mendonça Amâncio, 33 anos, foi assassinado a tiros na noite de domingo, 19, no cruzamento da Rua Jaime Pantaleão de Moraes com a Avenida Paulo de Frontin, no Aterrado, os volta-redondenses ligaram o sinal de alerta. A vítima, cuja execução foi registrada por câmeras de segurança, havia, em 2020, feito um Registro de Ocorrência (RO) revelando que sua foto estava nas redes sociais como suspeito de pedofilia. Para saber se a queixa tinha sido investigada e se o fato poderia ter motivado o crime, a equipe de reportagem tentou, mas não conseguiu falar com o delegado Luiz Jorge Rodrigues na 93a DP. “Tem que ficar vindo e arriscar encontrá-lo. Não tem como marcar horário. Não dá para saber quando ele estará na delegacia e nem se estará disponível para atender”, informou, com tranquilidade, um dos atendentes.
Nos aplicativos, além da filmagem do assassinato que comprova a crueldade do assassino e o desespero da vítima para sobreviver, circularam mensagens de comoção pela morte de Gilberto. Fotos suas, com o uniforme da CSN, onde trabalhou, acompanhavam legendas desoladas. “Trabalhava com o Gilberto. Não acredito que fizeram isso com ele. Um cara trabalhador. Não tinha nada de criminosos e nem de pedófilo”, comentou um dos internautas. “Espero que seja feita justiça de verdade contra os assassinos de Gilberto. Estou em choque”, postou outro.
Essa não seria a primeira vez que a cidade testemunhou criminosos fazendo sua própria justiça. O último caso aconteceu em 2011, quando Felipe dos Santos Nascimento, 21, foi linchado até a morte no Morro da Conquista, após ser acusado de matar a enteada, Adrialex Cerqueira da Silva, 3 anos. O delegado da época nunca soube explicar se Felipe era o assassino. Inclusive, até hoje nenhum participante do linchamento foi preso, e o crime caiu no esquecimento. Questionado sobre quais seriam as formas de se livrar de falsas denúncias de crime em tempos de fake news, o angrense Hugo Vilela, mestre em Políticas Públicas pela Flacso (Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais) e pesquisador da Fiocruz, deu o caminho das pedras para quem não quer depender apenas da ineficiente Polícia Civil. “Independentemente de qualquer coisa, é preciso fazer um registro na delegacia. E quando se é acusado de um crime que não cometeu, a alternativa que tem é tentar recapitular os passos que fez no dia em que te acusam relembrando por onde andou. Deve procurar, inclusive, para organizar sua defesa e provar sua inocência, registros de câmeras de segurança buscando estabelecimentos com circuito de gravação. Só que esta é justamente a forma utilizada pela própria polícia civil”, avisou, sem dar grandes esperanças.
Com boletins de ocorrência para respaldar o acusado ou não, os assassinos andam perdendo o pudor e estão matando em Volta Redonda com uma constância assustadora, espalhando o clima de terror no município. No último final de semana, além da morte de Gilberto, outra foi testemunhada quase que em tempo real pelos moradores. Bruno Gonçalves Mael, 31 anos, foi alvejado com 9 tiros na Praça Cafezal, em frente a um supermercado do Retiro.
No dia 12, outro assassinato cruel. De Gabriel Mello, 27 anos. Ele era motorista de transporte por aplicativo e seu carro foi baleado quando tentava aces-sar o Morro da Conquista, pelo acesso da Rua Suriname, na Vila Americana. O jovem chegou a ser socorrido pelos bombeiros, mas seus ferimentos no braço direito e no tórax foram fatais.
Mais execuções em maio. No dia 15, Júlio César da Silva foi alvo de pelo menos três tiros. Um deles acertou o crânio e ele morreu na Rua Natália Cristina, no Santo Agostinho. A única informação dada pela Polícia é que homens de um Vectra Elegance seriam os autores do disparo. Quando soube do assassinato, a mãe da vítima correu desesperada pela rua, abraçou o filho, já morto, suplicando para que ele acordasse. O fato foi registrado por curiosos que compartilharam tudo nas redes sociais.
Ainda em maio, um flanelinha foi assassinado em Volta Redonda. O modo foi o mesmo dos outros: tiros. Foi na madrugada do dia 28, na São Geraldo. Na ocasião, o Corpo de Bombeiros foi acionado, mas, ao chegar ao local, a vítima, de 42 anos, já estava sem vida. Segundo a Polícia Civil, a vítima teria antecedentes criminais por furtos, lesão corporal, posse de entorpecentes e resistência e seus assassinos seriam, provavelmente, do Monte Castelo.
Um fato em comum trespassa todos esses crimes: nenhum deles foi solucionado até hoje. Para Hugo, a segurança no Rio de Janeiro está em situação de abandono. “A segurança pública foi abandonada e não adianta alegar, como alguns andam fazendo, que a culpa é a decisão do STF de proibir ações policiais em comunidades durante a pandemia, até porque a ordem foi desrespeitada inúmeras vezes. Em Angra dos Reis, por exemplo, onde eu moro, no Morro do Carmo, as comunidades como Morro Caixa D’água e Santo Antônio têm ações policiais constantemente, seja para apreensão de drogas, seja para desarticular quadrilhas. Isso prova que o atual modelo é ineficiente. Ele se organiza através de policiamento ostensivo basicamente em regiões periféricas, justamente para manter o controle de onde as pessoas de baixa renda podem ou não transitar”, criticou o especialista.
Outro aspecto levantado por Hugo que pode explicar o aumento da violência são os efeitos causados pela pandemia na população mais pobre. “Precisamos levar em consideração outros fatores. O agravamento da fome e da pobreza, por exemplo, piora a situação de violência em determinados territórios. A violência ocorre justamente nestes espaços onde há maior incidência de pobreza por não ter controle de geração de renda. Podemos citar o caso clássico de Detroit, nos EUA. Até os anos 1990, lá era o berço da indústria automobilística. Quando as indústrias deixaram o lugar, o desemprego assolou a população de Detroit. Em pouco tempo a violência cresceu. É fácil constatar que são fenômenos ligados diretamente. Se as pessoas não têm emprego e estão em situação de insegurança alimentar, é difícil manter o espaço livre de violência”, pontuou.
A professora e assistente social Maria Cândida da Silveira, que atua em escolas de comunidade no Rio de Janeiro, concorda com Hugo. “Esses crimes que você relatou me parecem nitidamente que são execuções cometidas pelo crime organizado: sejam milicianos ou traficantes. E isso, no meu ponto de vista, só está desgovernado pela sensação de impunidade que impera. Não há pudores para matar porque não haverá investigação e ninguém será punido. Os crimes que costumamos ver quando a motivação é a fome ou o desemprego são outros. Geralmente o indivíduo furta transeuntes atrás de dinheiro e objetos de valor para comprar comida ou sustentar vícios em entorpecentes”, analisou, fazendo mais um contraponto às declarações de Hugo. “Claro que podemos concluir que com menos dinheiro e emprego para a população, mais o poder paralelo recebe mão de obra. Com isso, há mais criminosos nas ruas dispostos a matar. E essa disposição aumenta justamente pela sensação de impunidade e aí dá-se um ciclo vicioso de violência”.
Estudiosos como a própria Cândida alertam que a flexibilização para o uso de armas de fogo entre civis também pode ser um indicador da violência. Um levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública sobre armas de fogo junto aos órgãos oficiais de segurança e defesa para 2020 mostra que o Brasil vive uma corrida armamentista. Em dezembro daquele ano, o país contava com mais de dois milhões em arsenais. O estudo afirma que em cada grupo de 100 brasileiros há ao menos uma arma particular disponível. “Os números trazidos neste Anuário, de modo geral, chamam atenção tanto pelo aumento expressivo do número de armas que entraram em circulação nas mãos de particulares quanto pela velocidade que isso vem acontecendo”.
O próprio Fórum faz um paralelo entre o aumento de armas de fogo nas mãos de civis e a escalada da violência urbana. “Notícias de traficantes de armas com registro de colecionadores e atiradores desportivos também ligam sinal de atenção para o relaxamento do controle dessas atividades promovidas pelo governo Federal. Ao aumentar o acesso a armas e calibres antes restritos às forças de segurança e para colecionadores e caçadores, ao mesmo tempo que desidrata medidas de rastreamento e controle de armas de fogo e munição, o governo facilita a subversão por criminosos. Em outras palavras, enquanto alguns segmentos da população brasileira se armam de modo acelerado, o Estado vem diminuindo sua capacidade de mitigar os efeitos nocivos destas mesmas armas gerando toda sorte de violências”, conclui o levantamento.