Por Vinícius de Oliveira
A influenciadora Amanda Parreira promoveu uma enquete que trouxe à tona algo surpreendente: os jovens de Volta Redonda parecem desconhecer o significado do 9 de novembro, cuja história é contada às crianças volta-redondenses por pelo menos 10 anos, mas, quando elas saem do primeiro segmento do Ensino Fundamental, nunca mais ouvem falar do assunto. É o que mostra a enquete de Amanda. Das 200 pessoas que participaram da interação, incríveis 70 admitiram não ter a menor ideia do que a data representa, enquanto apenas 20 afirmaram ter algum conhecimento do assunto.
Perguntas parecidas foram feitas a dois grupos de alunos do ensino médio, um de uma importante escola privada do município, e outro de um Ciep da periferia. O resultado mostrou que a falta de conhecimento também atinge esses estudantes. Apesar da maioria (23) dos entrevistados afirmar que já ouviu falar do assunto em algum momento, apenas três saberiam dar detalhes do dia em que os operários William, Valmir e Barroso foram assassinados pelo Exército brasileiro durante a greve da CSN, ocorrida em 1988.
Para Amanda, o experimento foi positivo. “Foi a maior interação que eu já tive, muita gente de outros lugares achou interessante a história também. Percebi com isso que muita gente não sabia o que significava o Monumento 9 de Novembro, que fica na
Vila, apesar de passar por ele quase todos os dias. As pessoas mais velhas falaram que tinham esquecido, que já tinham ouvido falar alguma coisa por alto, mas não sabiam direito do que se tratava”, comentou, intrigada com detalhes que os herdeiros da greve de 88 lhe revelaram nos comentários. “Fiquei sabendo de pessoas presas dentro da CSN enquanto as famílias estavam desesperadas do lado de fora. Fiquei chocada”, pontuou.
Mas se Oscar Niemeyer, criador do monumento erguido na Praça Juarez Antunes, estivesse vivo, provavelmente ficaria decepcionado. O arquiteto chegou a dizer em 1989, ano da inauguração de sua obra de arte, que “o monumento aos mortos na greve de 88 ficaria na memória do povo brasileiro como prova do que a ignorância e o reacionarismo são capazes”. Mas, ao que tudo indica, poucos mantêm na memória o dia fatídico que marcou e mudou para sempre os rumos de Volta Redonda.
Ainda vigiada de perto pelos repressores da Ditadura, a Volta Redonda da década de 80 era símbolo de organização classista. Na época, o Sindicato dos Metalúrgicos era forte. Comandado por Juarez Antunes, atuava em paralelo com D. Waldyr Calheiros, e as manifestações inundavam a cidade do aço. Era comum não só operários tomarem as ruas, mas também professores e outros funcionários públicos.
O Memorial aos mortos de 88 foi inaugurado em 1o de maio de 89. Foi destruído em menos de 24 horas por um atentado a bomba, que teria sido patrocinado por bicheiros em anuência com as Forças Armadas, conforme aponta relatório da Comissão da Verdade, revelado pela Câmara em 2015, após dois anos de investigações. Tem mais. Em 6 de maio de 89, o então prefeito Wanildo de Carvalho quis reconstruir o monumento. Niemeyer, ainda inspirado, propôs que as rachaduras e fissuras ficassem expostas, como se quisesse trabalhar na memória das pessoas as consequências da truculência. Não à toa, a nova inscrição do memorial parcialmente restaurado dizia: “Nada, nem a bomba que destruiu este monumento, poderá conter os que lutaram pela justiça e pela liberdade”.
Só que o tempo parece estar se encarregando de garantir o que a bomba não foi capaz de fazer. O monumento continua de pé. Os resquícios da bomba também estão lá. Mas não revelam quase nada às pessoas, principalmente para os mais jovens que passam pela praça. Conversando com um professor de História, Marcos Gandra, que concordou em compartilhar sua visão, fica evidente quão prejudicial esse apagamento da história pode ser para a população. Ele concorda que a ausência de informações sobre o evento crucial se deve, em grande parte, à falta de tratamento do tema nas escolas.
“Volta Redonda possui uma lei que institui o dia 9 de novembro como data cívica municipal, mas é notória a percepção da não obser vação da data, nem mesmo nas escolas da rede municipal de ensino. Em não havendo, no segundo segmento do Ensino Fundamental e no Ensino Médio, professores que estejam atentos à necessidade de rememoração da data, esta passa despercebida, haja vista o descompromisso da prefeitura em assumir tal responsabilidade. No 1o segmento do Ensino Fundamental, a data pelo menos faz parte do material didático”, argumentou o professor.
Questionador, Gandra acredita que pode haver intencionalidade na falta de informação aos mais jovens. “Estaríamos diante de uma deliberada tentativa de apagamento da memória da cidade? De ocultação de seu caráter de cidade operária, que tanto impactou a dinâmica nacional de luta contra a ditadura? Em tempos ainda delicados de ameaça à democracia no Brasil e no mundo, preservar a memória de luta de um povo é assegurar verdade
e justiça. Que se respeitem e cumpram todas as recomendações do Relatório Final da CMV- VR, substituindo homenagens a ditadores e a torturadores, e valorizando todos os personagens que deram a vida para que nossa cidade fosse respeitada em todo o país como um lugar onde se respirava não apenas pó preto, mas ideais de justiça, solidariedade e protagonismo político da população trabalhadora”, apregoa.
Pedro Paulo Vidal, conselheiro do MEP (Movimento Ética na Política) e bacharelando de Direito pela UFF (Universidade Federal Fluminense), concorda que lembrar de uma greve histórica que chamou a atenção do país não é interessante para a classe dominante. “A não- perpetuação dos valores/ importância da greve de 1988 em Volta Redonda entre a juventude reflete, em parte, os interesses privados que historicamente têm buscado moldar a narrativa para preservar sua imagem e minimizar as críticas relacionadas às condições de trabalho e relações laborais durante a greve. A influência desses interesses pode ter afetado a documentação histórica disponível e, consequentemente, prejudicado a transmissão autêntica dos eventos”, avalia.
Assim como Marcos, Pedro Paulo também aponta o desinteresse do poder público, muitas vezes alinhado aos interesses do capital, como corresponsável pela baixa memória sobre a greve e dos eventos que a atravessam. “A falta de investimento em iniciativas educacionais e culturais que destaquem os eventos de 1988 pode ser interpretada como uma forma de preservar relações políticas e econômicas favoráveis, negligenciando a importância de um entendimento crítico da história local”, obser vou.
Para Pedro Paulo, o abismo geracional- tecnológico entre a geração que viveu a greve e a juventude imersa na tecnologia também desempenha um papel crucial para criar essa lacuna histórica. “A rápida evolução tecnológica e as mudanças nas formas de comunicação podem resultar em uma desconexão entre as experiências da greve e a maneira como a juventude consome informações atualmente. A falta de adaptação de métodos educacionais para incorporar essas mudanças pode contribuir para a perda de relevância da Greve de 1988 na consciência da juventude contemporânea”.