Roberto Marinho
O Projeto de Lei 5.335 (milhar da cobra) do vereador Rodrigo Furtado foi aprovado pela Câmara de Volta Redonda. Até aí, nada demais. Só que já nasceu gerando polêmicas e foi parar em Barra Mansa, com direito a nota de repúdio por parte da OAB local. É que pela nova lei, sancionada pelo presidente da Casa, Sidney Dinho, a partir de agora as empresas de prestação de serviços que operam na cidade do aço têm que contratar até 70% dos seus trabalhadores – com direito a uma cota de 15% só para mulheres – entre os voltarredondenses. Ou seja, não há vaga para barramansenses, resendenses etc. Nordestinos, nem pensar.
A lei, que não foi promulgada pelo prefeito Samuca Silva (ele a devolveu à Câmara), além de gerar a nota de repúdio da OAB-BM, foi parar na ‘Caminhada pelo turno de 6 horas’, promovida pela Igreja Católica (ver página 15). Coube ao padre Juarez Sampaio se posicionar contra. “Eu espero não ter ouvido direito sobre a aprovação dessa lei. Vai contra a história de Volta Redonda, que foi construída por pessoas de todos os lugares do Brasil”, disse o religioso na manifestação católica contra a CSN.
Em entrevista ao aQui, Furtado rebate a fala do padre. “Quando se fala que Volta Redonda foi construída por gente de todos os lugares, é porque a cidade não tinha habitantes. Esses trabalhadores de fora viraram cidadãos voltarredondenses”, pontuou. Tem mais. Como advogado, garante a constitucionalidade da sua lei, questionada por alguns, afirmando que a Câmara não poderia legislar em matérias sobre o direito do trabalho.
“A nossa lei não cria artigo de lei da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), ela cria possibilidade para que a empresa que venha atuar em Volta Redonda contrate pessoal da nossa cidade. Isso não fere o principio da livre iniciativa, leis parecidas já funcionam em outros municípios, onde já teve esse tipo de briga (sobre a constitucionalidade, grifo nosso) e prevaleceu a lei do município”, alega.
Furtado diz contar com o apoio – mesmo que não explícito – do prefeito Samuca, e ainda divide a bola da constitucionalidade com o chefe do Executivo. “O prefeito teve a oportunidade de vetar a lei, mas ele entendeu o fim a que ela se destina e o alcance social. E se fosse inconstitucional, com certeza ele vetaria. Como relator da Câmara, vejo várias leis vetadas por algum vício de constitucionalidade”, argumenta, garantindo que a lei não discrimina moradores de outras cidades. “A lei coloca dois princípios em rota de colisão: se as pessoas falam que têm a liberdade de contratar, eu coloco a função social do trabalho, os direitos sociais das pessoas, e os interesses econômicos do município”, destaca.
Sobre a polêmica com a OAB de Barra Mansa, Furtado diz que não conhece pessoalmente o presidente da entidade – Noé Garcez, que assina a nota de repúdio – e que os possíveis candidatos de Barra Mansa não preencheriam todas as vagas destinadas aos “forasteiros”. “A lei destina 30% das novas contratações para moradores de outras cidades, e Barra Mansa, por exemplo, não preencheria nem 5% dessa cota. O empresário vai preferir sempre contratar o trabalhador que gera menos despesa, trabalha mais perto”, cita, para depois fazer um meio campo, ao mesmo tempo em que dá uma canelada nos empreiteiros. “Volta Redonda está de braços abertos para receber os munícipes qualificados de todos os municípios vizinhos. Essa lei não atinge o trabalhador, mas quem faz canteiro de obras aqui na cidade por três, quatro meses, coloca containers, aluga apartamentos e ainda sai devendo a pensão onde o peão comeu”, crê.
A CSN também entra na conta da lei contra trabalhadores “forasteiros”. De acordo com Furtado, a experiência dele como auditor fiscal da empresa durante três anos permitiu notar uma alta rotatividade de trabalhadores de outros estados nas prestadoras de serviço para a siderúrgica e isso seria um dos fatores que o motivaram a criar a proposta. “São centenas de trabalhadores, e não são de Pinheiral, Piraí ou Barra Mansa, mas de Minas Gerais, Bahia, outros estados, que pegam obras de três, quatro meses. São pedreiros, encanadores, soldadores, cargos que Volta Redonda poderia suprir”, afirma.
Segundo Furtado, a prática usada pelas terceirizadas tira direitos sociais dos trabalhadores, o que a nova legislação evitaria. “O único interesse para trazer alguém de fora seria esse, já que o direito trabalhista é territorial, a empresa só pode ser acionada onde está atuando. Por isso, um trabalhador da Bahia que tenha sido lesado em Volta Redonda teria que voltar aqui para abrir o processo, acompanhar as audiências. É inviável”, aponta.
Também sobrou para o ex-prefeito Neto e a construção do shopping Park Sul. De acordo com Furtado, em anos anteriores houve um pico de contratações para a obra do novo empreendimento, e as empreiteiras trouxeram muitos trabalhadores de fora – “Se o padre Juarez tivesse prestado atenção, talvez tivesse visto”, espeta – o que na avaliação dele não teria acontecido com a nova lei. “Houve até manifestação dos trabalhadores de Volta Redonda na Câmara pedindo a intervenção do Poder Público, mas a prefeitura se quedou inerte”, alfineta, acrescentando que os trabalhadores temporários utilizam as estruturas da cidade, como a Saúde, por exemplo, mas destinam o salário para suas famílias, em outros estados. “Isso não é justo com a cidade”, alega.
E se depender de Furtado, as empresas podem tremer: o vereador afirmou que vai ser implacável na fiscalização do cumprimento da medida. “As empresas que não querem deixar um legado para Volta Redonda vão ter que se enquadrar. Peço aos empresários que vierem para cá que procurem cumprir a lei, porque se não cumprir eu vou atuar para direcionar a fiscalização e infelizmente vai tomar as sanções que a lei prevê”.