Feirantes ganham liminar e vão manter barracas funcionando

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Por Vinícius de Oliveira

Feirantes voltaredondenses, entre eles pequenos agricultores, nascidos e criados no vai e vem dos clientes e com o sobe e desce das lonas, estão desesperados, pois seguem sendo notificados pela fiscalização da prefeitura de Volta Redonda por não possuírem alvarás. O caso já dura meses. Detalhe: eles não estariam na ilegalidade só porque querem. Muito pelo contrário. Esbarram na liberação do alvará junto ao Palácio 17 de Julho.
A situação dos feirantes é bem mais traumática do que a operação movida pela secretaria de Ordem Pública contra várias bancas de jornais que existiam em diversos pontos da cidade. Ao menos, segundo desculpa apresentada, estariam abandonadas. Mas, no caso dos feirantes, as barracas estão funcionando graças a liminares concedidas pelos juízes Roberto Henrique dos Reis, da 4a Vara Cível, e Marcelo Dias, substituto na 2a Vara Cível. Caso a prefeitura descumpra a decisão dos magistrados, a multa será de mil reais por dia.
Segundo Thiago da Silva Inácio, advogado que conseguiu as liminares
favoráveis aos feirantes, os comerciantes em questão teriam herdado suas barracas dos pais ou avós já falecidos e, apesar de seguirem tocando o negócio mesmo sem os alvarás, este ano o Poder Público resolveu aciona-los, dando-lhes um ultimato. “Esses feirantes estão com dificuldade para conseguir a transferência do ponto. Trabalharam com seus pais na feira e continuaram fazendo isso depois que eles morreram. A prefeitura nunca cobrou deles um novo alvará, apenas algumas taxas para renovar o documento no nome dos donos originais, o que os deixava em dia com a fiscalização. Só que agora quer retirar o direito dos filhos de atuar na feira. Muitos desses ficarão desempregados”, argumenta o advogado.
Um dos primeiros notificados pela prefeitura contou ao aQui que passou a vida vendo o pai produzir hortaliças para vendê-las na feira todos os dias, ao lado da avó. Não teve oportunidade de aprender outro ofício. “Desde meus 11 anos vou para a feira com minha avóemeupai.Játem11 anos que minha vó morreu e sempre nos deram alvará do mesmo jeito”, contou, garantindo ter caso pior. “O do meu primo é ainda mais sério. Já tem 40 anos que ele trabalha na feira com alvará em nome do falecido pai dele. A barraca onde trabalha funciona há 50 anos. Há 15, o pai dele morreu e a prefeitura, do mesmo jeito, sempre lhe entregou a guia de pagamento do alvará. Agora, em 2023, por culpa de uma lei do Temer, de 2016, ele não pode transferir o alvará e nem pode ceder a outro. Como uma pessoa que só fez feira a vida toda vai fazer outra coisa agora?”, questionou.
A lei à qual o agricultor se refere é a 13.311, sancionada em 2016 pelo ex-presidente Michel Temer. A intenção do texto era regulamentar a atividade dos feirantes, mas não só deles, também de todo comerciante que trabalha utilizando equipamentos urbanos do tipo quiosque, trailer e banca de jornais e revistas, instituindo normas gerais para a ocupação e utilização da área pública. Para se ter uma ideia, o artigo terceiro da lei diz que não será possível a transferência de alvará se o documento estiver vencido, se houver descumprimento das obrigações assumidas ou se houver a revogação da licença por parte do poder público municipal, desde que demonstrado o interesse público de forma motivada.
Mas não são esses termos da lei que atrapalham a vida dos feirantes herdeiros de Volta Redonda. É o parágrafo quinto, do artigo 4, que é taxativo: o alvará não é uma herança para todos os efeitos de direito. Em outras palavras, os feirantes deveriam, após 60
dias da morte dos donos originais, ter requerido a transferência. O problema é que os proprietários em questão morreram antes da promulgação da referida lei, e ela, por sua vez, não diz nada a respeito disso. “Essa lei é vaga nesse sentido. Não diz como regularizar essas questões. Por isso, tenho certeza que a Justiça, no final das contas, vai ser favorável aos feirantes”, acredita Thiago.
Estima-se que a investida da prefeitura sobre os feirantes tenha colocado em risco o sustento de pelo menos 10 comerciantes, que representam cerca de 60 famílias. “É uma notificação em massa, mas, para não gerar um motim de feirantes, a prefeitura tem oficiado aos poucos. Um ou dois de cada vez em dias aleatórios. Alguns destes já entraram com ação e pretendemos encontrar uma forma de regularizar a situação desses feirantes, pois são pessoas que nasceram nesse ramo e só sabem fazer isso. A família vive disso”, reforçou Thiago, salientando que não é o único pepino que esses feirantes precisam dar conta de digerir. “Essa semana atendemos dois rapazes que trabalham de forma irregular, mas que há 10 anos foram cadastrados pela prefeitura. Eles receberam um crachá para trabalhar de forma temporária. Nunca foram regularizados e, consequentemente, foram intimados a se retirar da feira, sendo que buscavam a regularização neste tempo todo e nunca conseguiram”.
Nota da redação: A prefeitura de Volta Redonda foi procurada para se pronunciar sobre o caso, mas até o fechamento desta edição não havia respondido.