Paolla Gilson
Se você é um daqueles que detestam andar de carro por alguns bairros de Volta Redonda por conta do trânsito e da abordagem constante dos flanelinhas, pode ser que continue insatisfeito. É que eles voltaram a atuar. Os motoristas que costumam estacionar, por exemplo, no entorno da Vila que o digam! As aproximações são frequentes tanto durante o dia quanto à noite e geralmente ocorrem logo que o condutor abre a porta do veículo. Quando é uma mulher, a situação é pior. O ‘achaque’ fica evidente na abordagem: “Tô de olho, tá doutora?”. A maioria não resiste e acaba concordando em ser a próxima vítima. Pode ter que desembolsar R$ 5, R$ 10 ou ter o carro arranhado, entre outras.
E ai daqueles que não pagam. Tanto que nove em cada 10 motoristas afirmam que, por medo, preferem aceitar o achaque. “Tem uns (flanelinhas) que metem medo só de olhar para a cara deles. Outros pelas roupas ou pelo cheiro de bebidas. Se a polícia estivesse por perto, daria para ignorá-los. Mas nunca está e eu sempre dou R$ 5 para não ser importunada”, revela M., que pediu para não ter seu nome revelado. Nem a sua foto, é claro.
O problema enfrentado por ela não é novo. E não deve acabar. Em 2012, por exemplo, chegou quase a zero quando foram combatidos pelo delegado Antônio Furtado, da Polícia Civil. Na época, dos 60 flanelinhas levados à 93ª DP, 35 tinham passagem pela polícia. Eram acusados de terem cometidos crimes como tráfico de drogas, roubo, desacato, injúria e até estupro. Só que a Justiça chegou a proibir a prisão e a autuação de flanelinhas após uma ação movida pela Defensoria Pública. O Ministério Público recorreu e o Tribunal de Justiça acabou autorizando a intervenção das autoridades para evitar a atuação dos ‘trabalhadores ilegais’.
A ocupação dos flanelinhas já vem rendendo muito pano para manga desde o governo Neto. Para se ter uma ideia, em 2014, o ex-prefeito chegou a criar um curso profissionalizante especial para que os flanelinhas saíssem das ruas. Durante dois meses, tiveram aulas práticas e teóricas sobre cidadania, higiene, comportamento, pintura, marcenaria e soldagem. Tudo muito bonito… no papel.
A gestão mudou, mas a saga continua. Em janeiro deste ano, a Guarda Municipal realizou uma ação educativa envolvendo vendedores ambulantes e flanelinhas na Praça Brasil. Cinco pessoas foram abordadas, sendo quatro flanelinhas. “É muito desagradável parar o carro e logo ser abordado por um flanelinha. Você nunca sabe o que o sujeito pode fazer com seu carro. Na maioria das vezes eu não pago, desconverso e digo que não tenho dinheiro no momento. Até agora, tive sorte e nada aconteceu comigo ou com meu carro, mas a gente fica apreensivo. É muito ruim a ação dos flanelinhas”, comentou um motorista que se identificou apenas como Rodrigo.
E não são apenas os motoristas que estão insatisfeitos. Mariana, que costuma ir sempre ao shopping a pé, também se sente insegura. “Na véspera do feriado, eu estava passando ali em frente ao mercado popular em direção ao shopping e estava falando com minha amiga no celular quando um flanelinha avançou em mim e quase pegou meu celular. A sorte foi que percebi e andei mais rápido, mas fiquei assustada”, contou.
Para piorar a situação, no início do mês, o trailer da Unidade de Guarda Comunitária, que fica parado próximo ao Jardim dos Inocentes, foi retirado para manutenção do veículo. Menos mal que há uma previsão de que o mesmo retorne ao local até o início de novembro. Enquanto isso, a GM garantiu que vai intensificar as rondas pela área.
Efetivo
Quem acompanha as edições do aQui deve se lembrar da entrevista exclusiva (edição 1043) com o comandante da GM, Paulo Dalboni, na qual ele comentou sobre a possibilidade de colocar uma equipe na Vila quando houvesse quantidade suficiente de efetivos. Até hoje isso não ocorreu, mas deverá ocorrer em breve. É que o governo Samuca já anunciou que pretende promover um concurso público para aumentar o número de GMs. O fato foi confirmado por Dalboni em nova entrevista, que publicamos:
aQui: Muitas pessoas estão notando a presença cada vez maior de flanelinhas na Vila. Agora, com a chegada do Natal, haverá alguma ação por parte da Guarda Municipal para coibir a ação deles?
Paulo Dalboni: Intensificaremos as ações e vamos colocar mais agentes neste período, que sabemos que aumentam os números de veículos na Vila Santa Cecília.
aQui: No início deste ano, começaram a ser feitas ações educativas envolvendo flanelinhas e vendedores ambulantes nos locais com maior incidência desses trabalhadores ilegais. Quais foram os resultados práticos obtidos? Quantos flanelinhas deixaram de ser flanelinhas? E quantos vendedores viraram empreendedores?
Dalboni: A prefeitura, por meio do Banco VR de Fomento, cadastrou 950 ambulantes, que começaram a realizar a retirada dos respectivos alvarás. Quanto aos flanelinhas, estamos, junto com a delegacia de Polícia, fazendo uma consulta ao Ministério Público para vermos a correta ação a ser tomada, tendo em vista que não há detenção por pedir dinheiro e não cabe neste exercício irregular da profissão.
aQui: Como o cidadão pode denunciar a ação de flanelinhas sem se arriscar a ser atacado/perseguido pelo mesmo caso seja obrigado a ir até a DP para denunciá-lo?
Dalboni: Neste caso, o cidadão precisa chamar um guarda municipal ou um policial militar. O flanelinha pode ser conduzido à delegacia, mas somente se o cidadão que se sentiu extorquido fizer denúncia, através de Boletim de Ocorrência. Caso o cidadão não compareça, não haverá denúncia por parte da autoridade policial.
aQui: O cidadão pode fazer qualquer denúncia se perceber tráfico de drogas, ação de suspeitos, crimes etc, mas não pode simplesmente denunciar um flanelinha. O senhor não acha isso incoerente? Por quê?
Dalboni: Não nos cabe fazer esse tipo de juízo e sim cumprir a lei.
aQui: O senhor acha que as autoridades policiais (incluindo a GM) exigem a presença dos denunciantes de flanelinhas na DP para diminuir esse tipo de crime? Ou porque não dá certo mesmo e preferem se dedicar a outro tipo de repressão?
Dalboni: Prefiro não fazer essa análise com base no que eu acho. O que temos de concreto é uma legislação e temos que segui-la e respeitá-la.
aQui: Em entrevista ao aQui, em maio deste ano, o senhor comentou que, após a realização do concurso para Guarda Municipal, iria tentar conversar com o prefeito Samuca para colocar uma equipe na Vila por conta da questão dos flanelinhas. Por que isso ainda não foi feito? E por que estamos notando a ausência da GM na Vila?
Dalboni: Estamos aguardando o Concurso Público. É preciso lembrar que a GM não pode ficar exclusivamente por conta de flanelinhas. A Lei 13.022/2014 elenca uma série de atividades, sem contar a missão principal, que é o patrimônio público municipal. Temos centenas de postos a cobrir, escolas, creches, postos de saúde, dois hospitais e nestes locais existem muitas ocorrências. Não procede a colocação de que há ausência de GM na Vila. Todos os dias os agentes estão no bairro.
aQui: Ainda nesta entrevista ao aQui, em maio deste ano, o senhor sinalizou que a Guarda Municipal estaria com o efetivo reduzido. Ainda continua assim ou o número aumentou?
Dalboni: Sim, mas a FEVRE já está tomando as providências para publicação do edital, com a intenção da realização do concurso público.
Do ponto de vista jurídico
O Supremo Tribunal Federal considera o ‘flanelinha’ isento de acusação, porque a função exercida por ele, mesmo ilegal, não é ofensiva. Porém, se o informal exigir pagamento e ainda apresentar uma abordagem violenta ou ameaçadora, será caracterizado crime de extorsão, conforme explicou a advogada Gabriela Ferreira Rocha. “De acordo com o STF, o guardador ou lavador autônomo de veículos não registrado na Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE), nos termos fixados pela Lei 6.242/75, não pode ser denunciado pela suposta prática de exercício ilegal da profissão. Todavia, o cidadão que estacionar o carro em local público tem o direito de aceitar ou não a atividade oferecida, pagando ao guardador se quiser”, afirmou a advogada, completando: “Caso o “flanelinha” se impuser a essa recusa, constrangendo ou ameaçando o proprietário do carro, utilizando-se até mesmo de violência, pode configurar-se o crime de extorsão mediante violência ou grave ameaça”.
No caso de extorsão, a pena varia de quatro a dez anos e multa. Para Gabriela, a criminalização da atividade do flanelinha não é a solução para resolver o conflito. “A criminalização do exercício da função de flanelinha não é a melhor forma de solucionar o problema, ao contrário, acredito que seja mais eficiente tratar a origem do problema, buscando alternativas para eliminar esse tipo de atuação nas ruas dos municípios através da inclusão destas pessoas no mercado de trabalho formal, proporcionando alternativas de subsistência através de uma ocupação digna”, disse ela, em mensagem enviada ao jornal.