Mateus Gusmão
A voltarredondense Carine*, de apenas 20 anos, sofreu uma violência brutal que, provavelmente, nunca esquecerá. Foi vítima de um estupro coletivo em uma casa no Volta Grande, comprovado por exame de corpo de delito feito no IML local. Carine, que fez a denúncia à Delegacia Especial de Atendimento a Mulher (Deam), contou que foi a uma festa na casa de um amigo, onde teriam bebido muita cerveja, fumado maconha e usado cheirinho da loló. Acabou perdendo os sentidos e teria desmaiado. Ao acordar, relatou, viu os suspeitos ao seu redor. Todos pelados. Imediatamente eles a obrigaram a cheirar um líquido em um pano. Desmaiou novamente e teria sido violentada mais uma vez.
O caso, pra lá de horrendo, aconteceu em 16 de fevereiro. Alguns suspeitos foram presos, como mostrou o aQui na edição passada, durante a operação batizada de Joana Darc, a heroína francesa. Na ação, a Polícia Civil prendeu de forma preventiva Vitor Iago da Silva, 18, e Cristian Miguel da Conceição, 22. Já Rafael Augusto Soares (????) Victor de Souza, 19, também teve mandado de prisão expedido, mas já estava preso por outro flagrante. Outros dois jovens, Vitor Hugo Queirós Martins, 18, e Lucas Silva Pereira, 21, seguem foragidos.
O estupro coletivo de Carine, apesar de brutal e condenável, não gerou comoção – pelo menos publicamente. Grupos feministas nem chegaram a bradar, como costumam fazer, palavras de ordem contra o machismo e a exploração sexual feminina. Os religiosos mudos estavam, mudos continuam. O pior é eles não sabem que os casos de violência sexual em Volta Redonda têm crescido. No último final de semana, por exemplo, foi preso na cidade do aço um homem de 52 anos suspeito de estuprar a própria filha, de apenas 10 anos. A prisão ocorreu no Candelária.
A menina, acompanhada de uma irmã, maior de idade, foi até a 93ª Delegacia fazer a denúncia contra o pai. Um exame de corpo de delito confirmou que a menina não era mais virgem e que havia sinais recentes de ato sexual. Quando a Polícia Civil chegou na casa do suspeito, ele teria confessado que havia feito sexo com a filha sem o uso de preservativo e teria ejaculado nela na manhã do dia anterior à denúncia. Ele teria confirmado até que violenta a filha desde o mês de junho de 2016. Pior. Ele era procurado pela Polícia desde 2012, por outro crime semelhante: o de estuprar a enteada dos oito aos 14 anos.
Segundo dados oficiais do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro (ISP), no mês de fevereiro deste ano foram registrados 10 casos de estupros na cidade do aço. Ou seja, um estupro é cometido a cada três dias. Apenas nos dois primeiros meses do ano já foram 15 casos. Para a secretária de Política Públicas para Mulher, Dayse Penna, o número pode ser maior. Em entrevista ao aQui, ela lembra que muitas mulheres ainda têm medo de denunciar casos de estupros. “Os dados do ISP são específicos das mulheres que foram até a delegacia. Mas a gente sabe que, culturalmente, há um grupo maior que não tem coragem e não é estimulado a ir à DP fazer o registro de estupro”, destacou.
Para Dayse, entretanto, falar em aumento ou diminuição de casos de estupro lhe parece equivocado. “Porque o que queremos é que não tenha nenhum caso de estupro. O que queremos é que a sociedade evolua para que não tenha mais nenhum caso”, pontuou, ressaltando que a sociedade evoluiu em diversas direções, como na ciência e tecnologia. “Quando eu vejo que moralmente a gente ainda não evoluiu, isso me perturba. E o mais assustador é que muitos desses casos de estupro foram cometidos por alguém da confiança da mulher. Como tratamos isso? Não existe outro caminho que não seja o desenvolvimento educacional”, avaliou a secretária, que só não foi a vice-prefeita na chapa de Samuca por problemas de documentação.
Dayse foi além. Salienta que, para alcançar o desenvolvimento educacional, será preciso reconhecer o machismo, reafirmá-lo logo depois e, aí sim, conseguir repará-lo. “Precisamos desconstruir o machismo. O machismo não trata apenas do ser masculino. Existem muitas mulheres, e somos criados de forma patriarcal, que são machistas e acabam reproduzindo brincadeiras e falas que remetem a casos machistas. Existem mulheres machistas”, comentou. “Eu preciso, em um primeiro momento, reconhecer o machismo. A mulher não é propriedade do homem. Todo ser vivo em desenvolvimento precisa de um homem e uma mulher. Todo ser para nascer precisa do homem e da mulher”, acrescentou.
O desafio da secretaria de Políticas Públicas para Mulheres é conseguir, justamente, fazer essa conscientização. Por isso, revelou Dayse, ela tem feito parcerias dentro do próprio governo. “A gente já conversou com diretores das escolas municipais, vamos fazer reuniões nos Cras… Estamos fazendo parcerias. Precisamos educar as crianças, o educador, o pai e a mãe, os avós …”, disse, salientando que a educação contra o machismo não passa por brigas. “A gente precisa fazer observações construindo um pensamento diferente, com diálogo, provocações pela arte e música. Isso não é questão de brigas ou lutas. A gente pode fazer essas observações partindo do pressuposto que o outro ainda não reconheceu, por exemplo, o machismo”, sublinhou.
Questionada em como promover a mudança cultural, Dayse novamente disse que através da educação. “Exaustivamente dentro da educação e nos atendimentos. Toda mulher que chega aqui na secretaria, a gente faz o acolhimento, tenho profissionais capacitados para isso e para desconstruir o machismo”, revelou, comentando que a pasta também está selando parcerias com entidades religiosas e instituições culturais. “A gente não quer que o homem trate a mulher como sua propriedade. A gente precisa acabar com a violência doméstica, com a violência sexual. Isso não é só daqui. É uma questão da sociedade em geral”, concluiu.
*Carine é um nome fictício usado com a intenção de preservar a vítima.
Prefeito recebe Conselho de Direitos das Mulheres
O prefeito Samuca Silva (PV) recebeu no início da noite de quarta, 29, os membros do Conselho Municipal de Direitos das Mulheres. No evento, destacou a nova forma do governo: a do diálogo, disse, destacando o fato de 40% do primeiro escalão do seu governo ser formado por mulheres e em pastas importantes. “São mulheres que têm a minha confiança. Não há indicações políticas no nosso governo. São pessoas competentes em suas áreas”, frisou Samuca. “Todos os conselhos municipais estavam esquecidos nos últimos anos. Por isso, estamos criando a Casa dos Conselhos, que terá toda estrutura administrativa com contador, veículo, assessoria jurídica e agentes administrativos à disposição dos conselheiros”, prometeu o prefeito, que estava acompanhado por Dayse Penna.
O Conselho Municipal de Direito para Mulheres é formado por 12 membros – seis da sociedade civil e seis indicados pelo governo. “Queremos que o conselho, de fato, discuta políticas públicas para mulheres. O trabalho dos conselheiros é fundamental para nossa secretaria”, comentou Dayse, ressaltando que, nos primeiros três meses do ano, o número de atendimentos na secretaria triplicou em relação ao igual período de 2016.
Dayse destacou ainda a importância do projeto ‘Cartas’. “Nossa intenção é alcançar 14 mil cartas, o que simboliza 10% da população feminina da cidade. É uma meta ousada, mas possível. Se cada mulher que participar dos encontros escrever uma carta e motivar suas amigas e vizinhas a contarem suas histórias, iremos alcançar a meta. Vamos produzir uma exposição, onde essas histórias documentadas se tornarão públicas”, finalizou.
Patrulha Maria da Penha
Volta Redonda é a segunda cidade do estado do Rio a contar com o serviço do Patrulha Maria da Penha, que consiste em uma viatura e inspetores treinados para garantir a integridade física e proteger a mulher que está sob medida protetiva. Atualmente, a patrulha presta assistência a 32 mulheres que vivem sob risco de violência doméstica. A patrulha funciona por meio de uma parceria entre a secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres de Volta Redonda e a Guarda Municipal. “Esse é um dispositivo criado pela lei Maria da Penha e busca coibir e prevenir a violência doméstica e familiar, assegurando que toda mulher tenha seus direitos fundamentais garantidos. Além de proporcionar uma vida sem violência, com a preservação de sua saúde física, moral, mental, intelectual e social”, explicou Dayse Penna.
O objetivo da secretaria da Mulher, por meio da Patrulha Maria da Penha, é realizar ações que promovam o acolhimento das vítimas de violência. “A mulher pode entrar em contato com a gente através de vários canais (telefone, internet, entre outros). Estamos aqui para acolher a vítima. Os guardas que atuam na patrulha são treinados e capacitados para dar o acolhimento adequado. E nós, da secretaria, temos o dever de acompanhar e dar suporte ao fortalecimento dessa mulher. Quando a informação é passada pela Justiça, a Patrulha Maria da Penha entra em contato e oferece todo o apoio necessário”, garantiu Dayse.