A regulamentação das plataformas digitais e a criação de um banco nacional de perfilamento criminal foram as principais sugestões apresentadas pela jornalista investigativa Carla Albuquerque durante sessão da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) de Combate à Violência Cibernética Contra as Mulheres, da Assembleia Legislativa do Estado do Rio. Segundo ela, é necessário que os operadores e gestores das plataformas cooperem na investigação de crimes arquitetados de forma digital, e que sejam responsabilizados por isso.
“Já passou da hora de as plataformas serem reguladas, visto que elas têm um poder enorme de auxílio e colabo- ração às autoridades policiais. E quem tem cooperado são os jovens que estão infiltrados, que conseguem ajudar vítimas e muitas vezes impedir a realização de massacres virtuais. Também precisamos que as forças de segurança trabalhem juntamente com psiquiatras e psicólogos forenses, para criar uma base nacional de perfila- mento criminal, para entender- mos a motivação da prática desses delitos”, explicou Carla.
Para a presidente da CPI, deputada Martha Rocha (PDT), a Polícia precisa se capacitar para investigar crimes cibernéticos e identificar os mentores intelectuais. “Autores de crimes como roubo são facilmente identificados, mas autores de crimes digitais passam despercebidos pela sociedade e isso dá uma garantia de impunidade. É essencial que haja uma condução nacional de coleta de informações, a criação de um perfil, já que esses crimes têm várias ramificações territoriais, às vezes acontece no Sudeste, mas é incentivado por alguém que está no Nordeste. Ter um banco nacional de perfil criminológico pode ajudar muito no enfrentamento a essa violência”, destacou a parlamentar.
Falta de preparo no acolhimento
A terapeuta e idealizadora do projeto ‘Mulher, solta tua voz’, Carolina Carvalho, abordou outro aspecto nesse contexto dos ataques virtuais que é a falta de preparo no acolh- imento de crianças e adoles- centes vítimas de violência cibernética, tanto por parte das famílias quanto em relação às instituições de educação, saúde e segurança. Também participante do debate, a historiadora e responsável pelo projeto, Helena Rossi, apontou que as mulheres precisam ser conscientizadas a respeito das violências que sofreram e que os profissionais que prestam atendimento a essas vítimas devem ter um olhar diferenciado.
“Nós queremos ir além de apenas fazer caridade através da distribuição de kits de higiene e da abordagem de temas como a pobreza menstrual. Queremos ajudar na criação de políticas públicas efetivas para proteger meninas e mulheres, visto que elas estão cada vez mais inseguras nas ruas, nas escolas, no trabalho e até em seus lares. Identificamos que, muitas vezes, profissionais que lidam com as vítimas percebem e identificam a violência, mas falta proteção principalmente em casos de violência familiar, por exemplo”, pontuou Helena.
A relatora da CPI, deputada Índia Armelau (PL), enfatizou que a taxa de crimes cibernéticos pode ser agravada devido à
falta de supervisão de pais e responsáveis em relação aos conteúdos consumidos pelas crianças na internet. “Os pais estão perdendo o controle do acesso dos filhos à tecnologia. Queremos criar meios para que as pessoas aprendam a lidar com esse tipo de violência, pois é difícil identificarmos os sinais de uma pessoa que está sofrendo”, disse.
CARTILHA DE PREVENÇÃO
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) de Combate à Violência Cibernética contra Mulheres da Alerj também decidiu criar, em parceria com a SaferNet Brasil, organização que atua na defesa dos Direitos Humanos, uma cartilha informativa de prevenção à violência cibernética para ser distribuída nas escolas. Segundo dados da instituição, atualmente 68% das denúncias de crimes cibernéticos feitas à organização são realizadas por mulheres, sendo que, destas, 11% são feitas por adolescentes. A sugestão de parceria foi apresentada pela presidente da comissão, deputada Martha Rocha (PDT), em reunião da CPI.
Desde que foi criada, há 17 anos, a SaferNet Brasil já registrou mais de quatro milhões de denúncias anônimas de crimes cibernéticos. Só em 2022, o número de casos chegou a 193 mil, sendo que a maior parte das acusações refere-se ao compartilhamento não consensual de imagens íntimas. A porcentagem alta de adolescentes enquadradas nesse grupo chamou a atenção das deputadas que integram a Comissão.
“Essas meninas sofrem com problemas de depressão, ansiedade e automutilação, após se depararem com esses crimes. Nem sempre a escola consegue identificar os sinais dessa violência que foi cometida em um ambiente virtual e as famílias também. Ter um trabalho voltado para as escolas é um papel que esta Casa pode exercer para proteger e informar essas meninas. E como a SaferNet já tem um trabalho voltado para esse público, nada melhor do que fazer essa união de forças”, afirmou Martha Rocha.
A diretora da SaferNet Brasil, Juliana Cunha, explicou que a organização já tem um material, criado para a Unicef, que instrui adolescentes a reconhecer os tipos de violência cibernéticas que existem e ensina o que as vítimas devem fazer caso sofram algum desses crimes. “Fizemos esse material pensando em apoiar escolas, ONGs e projetos sociais para o uso seguro, responsável, crítico e positivo das tecnologias. Será muito bom produzir um material específico em conjunto com a Alerj para ser divulgado nas unidades escolares”, disse.
Coleta de dados nas escolas
Outra dificuldade que o Estado enfrenta em relação aos crimes virtuais cometidos com adolescentes é a falta de uma base de dados para entender a dimensão desse cenário. Para solucionar o problema, a relatora da CPI, deputada Índia Armelau (PL), sugeriu durante o encontro que a Comissão apresentasse um projeto de lei obrigando as escolas estaduais a criarem um banco de dados com os relatos de assédio informados à direção escolar.
“Muitas adolescentes contam para uma amiga, professora ou até para a direção da escola quando estão sofrendo um crime virtual, mas nenhum dado desse é computado. Então, os casos são vistos, na maioria das vezes, como ações isoladas, quando hoje notamos que não são. Ter essa informação quantitativa pode nos ajudar a pensar em políticas públicas mais eficientes. Não podemos esquecer que essa geração é 100% digital e vive na internet. Precisamos proteger essas meninas”, justificou Armelau.
Informação compartilhada
Os dados coletados pela SaferNet Brasil são enviados ao Ministério Público Federal (MPF), que encaminha as denúncias aos órgãos de promotoria de cada estado, para que assim as instituições direcionem os casos à Polícia Civil. Porém, a deputada Martha Rocha acredita que essa logística atrasa as investigações e propôs que além de enviar as informações ao MPF que a SaferNet Brasil encaminhe os dados para a Se- cretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) que já tem um contato direto com as polícias civis dos estados.
“É necessário que esse documento chegue a quem vai fazer a investigação o mais rápido possível, sobretudo no âmbito da violência cibernética, onde a produção das provas é mais difícil e mais frágil. Muitas das vezes essas mulheres não sabem nem cuidar dessa prova. A Senasp pode fazer essa interlocução com as chefias dos estados e agilizar todo o processo”, concluiu a parlamentar.