Vinicius de Oliveira
Poucas pessoas têm o costume de visitar a praça onde está a Chaminé Centenária, única parte que resta de um antigo engenho de açúcar, construído em 1903, que fica no Aterrado, em Volta Redonda. A maioria talvez nem saiba de sua importância histórica e o que representou para a economia do município. Independente de ações ou falta delas, o monumento está lá, com seus 40 metros de altura, de pé há 115 anos, à vista de todos, como que sobrevivendo para manter viva a história. Entretanto, um projeto audacioso da prefeitura local, que pretende criar nas imediações um mercado popular de produtos orgânicos, inédito no Rio de Janeiro, pode pôr em risco, segundo especialista, a fragilizada Chaminé.
Quem faz a denúncia é a arquiteta urbanista e coordenadora do curso de Arquitetura do UGB, Yone Ravaaglia. De acordo com a professora, que participou da restauração da Chaminé Centenária em 2002 (reinaugurada em 2003, grifo nosso), o futuro mercado de orgânicos pode, na melhor das hipóteses, escondê-la dos olhos do público ou, na pior, desmoroná-la, fazendo com que desapareça mais de um século de história. “É uma aberração (o mercado)! Vai tirar a visibilidade e ainda trará tráfego de veículos àquele espaço”, resumiu Yone, garantindo que a ação dos carros que devem entrar e sair do local para carregar e descarregar mercadorias, somada à da movimentação dos trens da CSN que passam por perto, pode comprometer seriamente a estrutura do centenário monumento.
“O tráfego de veículos afetará tudo e já tem o trem. Com tanto espaço para construir esse mercado popular, teve que escolher logo ali? Não existe espaço para estacionar e as pessoas não irão comprar ali”, critica a arquiteta, explicando ainda que sua principal preocupação está debaixo da terra. “Durante a restauração, encontramos no entorno piso de tijolos e existem alguns túneis subterrâneos que deveriam ser para saída dos resíduos. Preferi não deixar à vista. Não exploramos muito, pois percebemos que estava frágil. As chuvas danificaram a parte interna e o piso interno da chaminé. Eu decidi colocar uma laje no topo para que não continuasse a degradação”, conta.
Yone acusa a prefeitura de violar a Lei Municipal 2075/85, o Decreto 2111/85, o Decreto 4935/93 e o tombamento da referida edificação conforme Decreto Municipal 2105/85, aprovado pela Câmara através da Lei 2203/87. “Como cidadã de Volta Redonda e arquiteta urbanista que participou diretamente da restauração do referido monumento e da praça, considero que a prefeitura municipal deveria ser a primeira a manter a história da cidade”, comentou.
A legislação federal também trata de mudanças no entorno de monumentos que são patrimônio cultural. O decreto-lei 25, de 30 de novembro de 1937, diz exatamente que “Sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que lhe impeça ou reduza a visibilidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra ou retirar o objeto, impondo-se neste caso a multa de cinquenta por cento do valor do objeto”.
Para a maioria do Conselho de Cultura, órgão competente para aprovar ou vetar projetos que interfiram na paisagem das vizinhanças e no próprio monumento tombado, a lei é ambígua e boa parte dos conselheiros ignora as previsões de Yone, dando carta branca para a prefeitura construir o mercado. “O Mercado Orgânico vai fazer uma articulação com um patrimônio cultural que é a Chaminé, o marco zero do município. E vai atender ainda o público consumidor e os produtores de orgânicos”, comentou Estevão Roque Fidelix, membro do Conselho Municipal de Cultura.
Quando questionado sobre o caso, Carlos Eduardo Giglio, presidente do Conselho, disse que foi voto vencido quando levaram a questão para apreciação dos conselheiros. “Ideologicamente sou contra a criação do mercado naquele espaço, pois existem leis – federais e municipais –, embora ambíguas, que tratam justamente do entorno dos patrimônios históricos e são contra alteração da vizinhança. Mas os demais conselheiros entenderam que o mercado vai gerar emprego e trará benefícios sociais”, disse.
Giglio explicou que, embora o conselho de Cultura tenha aprovado o projeto, fez ressalvas para garantir a manutenção da história em torno da Chaminé Centenária. “A gente levou em consideração os informes da professora Yone como, por exemplo, sobre os túneis que estão no subterrâneo. Solicitamos que se faça um trabalho com muito cuidado para preservá-los. Também pedimos para que no espaço onde o mercado será construído se faça também uma exposição permanente sobre todos os patrimônios históricos de Volta Redonda, para que as pessoas que frequentarem o local possam saber mais sobre a história de Volta Redonda”.
Além do fato histórico que, segundo Yone, está sob ameaça, a urbanista aponta outras questões que podem fazer com que o mercado, ao invés de ajudar, atrapalhe o município. “Tem mais um problema: produto orgânico tem que ser certificado e na nossa cidade não é possível certificar por causa da poluição provocada pela CSN e pelo estado deteriorado do Rio Paraíba do Sul, além disso, com a construção do mercado, o local, que é atualmente descampado, de noite virará refúgio para usuários de drogas. Lá terão lugar para se esconder”, crê a arquiteta.
Para Samuca Silva, o mercado tende a valorizar a Praça da Chaminé. “Nós, com o Mercado Orgânico, vamos valorizar um patrimônio cultural. Temos como objetivo fazer com que aumente a visitação desse importante monumento da nossa cidade. Nosso intuito é de valorizar a Praça da Chaminé”, rebate.
A chefe de gabinete do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano, Débora Vieira, concorda. “A Chaminé é um monumento da nossa cidade, que conta a história da Fazenda Santa Cecília e do engenho de cana de açúcar. Só que hoje sua visitação é muito pequena. Com o Mercado Orgânico, vamos valorizar o local e a chaminé, com iluminação melhor e revitalização da praça”, disse, em consonância com o chefe do Executivo.
Sobre a visibilidade da Chaminé, que poderia ficar comprometida com a construção do mercado, a secretaria de Comunicação da prefeitura explicou que é o ponto de maior preocupação do projeto e que o objetivo do mercado é trazer nova vida ao local. “Aumentará o uso, a visitação e a permanência, tanto do espaço externo, quanto do mercado já existente e, da chaminé e do Mercado de Orgânicos. Ganharemos pontos de visibilidade, hoje não existentes já que a praça será novamente integrada e muito mais intensamente visitada. O próprio mercado foi planejado exaltando a transparência e visualização de todos os ângulos da praça e cria em seu corredor principal uma apoteose que culmina com a vista ampla do monumento para o qual se abre. O mercado não possui fundos, todas suas fachadas são principais e abertas”, explicou.
Sobre os riscos de desabamento, a Secom explicou na nota que a prefeitura, através do IPPU-VR, está, sim, atenta aos riscos. “É saliente a assolação do contexto onde o monumento está inserido. Diversos problemas acometem o local tornando-o propício para uso marginalizado. Trata-se de uma área de imenso potencial turístico certamente, entretanto, a prática demonstra que o potencial esbarra na degradação do espaço, que é refletido no comércio existente com vários quiosques fechados ou fechando e a baixíssima visitação para contemplação do monumento”.
Ainda de acordo com a nota enviada pela secretaria de Comunicação, os técnicos envolvidos na construção do mercado estão cientes da importância que o monumento tem para o município e pretendem garantir sua integridade física. “É de conhecimento de todos os envolvidos a importância do monumento e é o mínimo do exercício técnico desses profissionais garantir que acidentes como a danificação, não só da chaminé, bem como de qualquer outra edificação ou elemento componente da paisagem, ocorra no processo construtivo”, completou.
Questionado sobre a presença de produtores de alimentos orgânicos em Volta Redonda, que até então são desconhecidos do grande público, os jornalistas da secretaria explicaram que o município já conta com um pequeno exército de agricultores voltados para esse nicho. “Atualmente têm duas Associações de Produtores certificados como orgânicos em Volta Redonda, onde há em torno de 30 famílias de produtores associadas”, avisaram, salientando que a prefeitura contará, também, com fornecedores do Rio de Janeiro. “O mercado terá característica regional e no estado do Rio há 720 produtores orgânicos cadastrados no Ministério da Agricultura”.