Roberto Marinho
A crise hídrica de 2014/2015 ainda está na memória de muita gente. Até então, o Brasil – considerado o “país das águas” pela quantidade de rios existentes em nosso território – nunca tinha enfrentado nada parecido. Em São Paulo, maior metrópole do país, com a situação beirou o caos, com direito a racionamento, multa para quem lavasse calçada ou carro e ‘gênios’ inventando todo tipo de parafernália para reutilizar água da chuva, de máquinas de lavar roupa e até do banho.
Parte da solução para a falta de chuvas que secou o sistema Cantareira, que abastece São Paulo, foi a polêmica transposição do Rio Paraíba do Sul, que ao ser concluída passa a transferir até 5,1 mil litros de água por segundo para o Cantareira. O sistema – que conta com 20 quilômetros de túneis para a passagem da água – começou a operar em março deste ano. Sorte dos paulistas, azar dos fluminenses.
A obra chegou a ser contestada pelo então governador Sérgio Cabral, mas saiu do papel graças a um acordo firmado pelo seu sucessor, Luiz Fernando Pezão. Só que o temor de que o novo sistema utilize água demais do Paraíba do Sul para manter os níveis do Cantareira não cessou com a conclusão da transposição. Muito pelo contrário. O pesadelo da falta de água volta a assombrar os paulistas e, por tabela, boa parte da população fluminense, incluindo moradores de Barra Mansa e cidades vizinhas.
Na semana passada, a Sabesp (companhia de saneamento de São Paulo) divulgou que o nível do sistema Cantareira estaria ainda mais baixo que em junho de 2013, período que antecedeu a crise de 2014/2015. Na terça, 12, o Cantareira estava com 45,7% do volume útil. Em 2013, na mesma data, o volume era de 58,1%. A principal causa apontada para a queda do volume de água é a falta de chuvas.
Situação preocupa
Especialistas ouvidos pela imprensa paulista afirmam que a situação não é catastrófica, mas preocupa bastante. Parte do alívio, dizem, vem da transposição do Rio Paraíba. O diretor executivo do Saae-BM, Fanuel Fernando de Paula Faria, com a experiência de 39 anos de trabalho na empresa pública, diz que a situação é preocupante. Ele vai além. Diz que a obra feita para salvar a água dos paulistas já está afetando os moradores do Rio de Janeiro. “Vai afetar o Rio de Janeiro sim, a vazão do rio já diminuiu de alguns meses para cá. Barra Mansa, Resende, Barra do Piraí, todo mundo vai ter problemas”, dispara.
Para Fanuel, o município com menos chance de ter problemas na região é Volta Redonda (ver box), por causa de uma barragem construída pela CSN há décadas, já que a fabricação de aço consome uma imensa quantidade de água. “Volta Redonda talvez não tenha este problema, por causa da barragem construída pela CSN, na altura de onde é feita a captação de água para a cidade. Barra do Piraí, Resende, todo mundo vai ser afetado”, aponta.
Fanuel avalia ainda que se o processo de industrialização no Brasil se fortalecer, a situação pode piorar. “Quem não estiver preparado vai passar aperto”, prevê, aproveitando para dizer que o Saae-BM já começa a se preparar para o pior. Detalhe: que pode ser crucial em setembro, final do período de seca.
“Barra Mansa está se precavendo, estamos instalando duas novas bombas submersíveis para captar mais água do meio do rio. Com a falta de chuva, o esgoto vem pelos lados do rio, porque é mais pesado. Se captarmos muito na beirada, vamos captar só esgoto”, explica, informando ainda que Barra Mansa conta com um sistema de captação flutuante, fruto de convênio com o governo do Estado. “Temos a captação flutuante, mas precisa de reformas. O Saae foi muito sucateado”, dispara, alfinetando o ex-prefeito Jonas Marins, que inclusive era funcionário do órgão.
Fanuel diz que estão sendo feitos investimentos para melhorar a operação do Saae-BM. “Estamos melhorando também a parte elétrica, vamos investir no total cerca de R$ 3 milhões na ETA (Estação de Tratamento de Água) São Sebastião. Melhoramos o manuseio dos produtos químicos, instalamos equipamentos de tratamento digitais”, enumera.
Mesmo assim, Fanuel afirma que em Barra Mansa o leito do Rio Paraíba é muito acidentado, o que prejudica a captação, e que outras estratégias devem ser adotadas. Entre elas, o replantio das margens e a preservação dos mananciais, além de campanhas de conscientização da população. “Vamos fazer campanhas nos jornais, rádios, e com panfletos. Estamos fazendo replantio e cuidando dos mananciais em lugares como Santa Rita de Cássia e Floriano. Deveriam fazer isso em todos os rios de todas as cidades da região”, pontua. “Se não fizermos isso, daqui a uns cinco ou dez anos a situação vai ficar muito difícil”, sentencia.
O executivo aproveita para lembrar que a população pode e deve ajudar, fazendo o uso consciente da água; deixando de usar o Rio Paraíba como lixeira. “Tiramos de tudo do rio: muitas garrafas plásticas, roupas e móveis velhos, até camisinha. As pessoas também precisam atentar para os próprios hábitos, como o de lavar carros e calçadas com as mangueiras abertas o tempo todo. Pode lavar, mas tem que saber como: instalar bico de pressão ou usar máquinas, reaproveitar a água, etc”, diz.
Zeca diz que situação é ‘tranquila‘ em Volta Redonda
Se em Barra Mansa a situação é de alerta total e os preparativos para enfrentar a possível falta d’água já começaram, em Volta Redonda o diretor executivo do Saae-VR, José Geraldo Santos, o Zeca, se sente em um paraíso. Segundo ele, nem a falta de chuvas, nem a situação do sistema Cantareira – que poderia causar a diminuição da vazão do Rio Paraíba do Sul – preocupam. “Temos monitorado a vazão do Rio Paraíba e até o presente momento a situação está controlada. Além disso, a barragem construída pela CSN há tempos atrás nos auxilia na captação de água, mantendo um nível satisfatório em nossa tomada d’água”, diz ele.
Zeca afirma ainda que, além da barragem da CSN, justamente onde é feita a captação de água em Volta Redonda, o Saae também conta com o sistema de captação flutuante, como o de Barra Mansa. “O Saae-VR possui um sistema alternativo de captação de água do Rio Paraíba do Sul através de bombas com flutuadores, que permitem a retirada de água mesmo que o nível do manancial esteja baixo”, explica ele, que é categórico: “Não há risco para o abastecimento de água do município”.
O diretor executivo do Saae-VR afirma também que a transposição do Paraíba não preocupa, já que isso não afetaria os níveis para captação em Volta Redonda. “De acordo com os relatórios emitidos diariamente pela Agência Nacional de Águas (ANA), a vazão do Rio Paraíba do Sul no município de Volta Redonda está na ordem de 179 m3/s, que proporciona uma captação de água sem risco de afetar o abastecimento”, diz Zeca, explicando que são captados para tratamento na cidade entre 0,6 e 1,2 metros cúbicos por segundo. “Nós utilizamos 1,2, o que corresponde a um percentual de 0,6”, compara. “Na crise de 2014, a pior, não tivemos problema”, compara. Que assim seja!
VR investe em esgoto
Atualmente o Saae-VR opera oito estações de tratamento de esgoto, localizadas nos bairros Volta Grande, Roma, Vila Rica, São Sebastião, Padre Josimo, Santa Cruz, Parque do Contorno e a ETE Gil Portugal, na Vila. Juntas, elas tratam cerca de 30% do esgoto do município. Para aumentar tal porcentagem, o Saae está investindo em outras três obras. “Após concluídas, essas três novas obras vão aumentar para cerca de 40% o tratamento de esgoto em Volta Redonda”, explicou José Geraldo Santos, o Zeca, diretor-executivo do Saae-VR, acrescentando que a verba para as obras são oriundas de recursos próprios e também da Agepav (Associação prógestão das águas da bacia hidrográfica do Rio Paraíba do Sul) e do Fecam/SEA (Fundo Estadual de Conservação Ambiental, da Secretaria de Estado do Ambiente).
As obras compreendem a construção de uma elevatória no Conforto; a reforma da ETE do Volta Grande; e a retirada dos pontos de lançamento de esgoto in natura no Córrego dos Peixes, em Santa Rita do Zarur. Em breve, reforça Zeca, o Saae-VR dará início à construção de uma estação de tratamento em Três Poços. “Esta estação terá capacidade para atender a cerca de 15 mil pessoas”, detalhou Zeca.