Depois de tantas brigas e diante de um futuro ainda incerto, pelo menos uma boa notícia para encerrar a semana: o juiz da 4ª Vara Cível de Volta Redonda mandou liberar o atendimento no Centro Médico, que funciona anexo ao Hospital Vita, na Vila. A decisão foi oficializada na tarde de ontem, sexta, 18. “Autorizo que o Centro Médico volte a funcionar normalmente, até a decisão que será proferida, em breve, acerca da data de desocupação do imóvel pelo Vita”, escreveu Roberto Henrique dos Reis.
E, se depender dos médicos do Corpo Clínico do Vita, outras boas notícias poderão ser repassadas à população. É que, em assembleia realizada na noite de quarta, 16, eles decidiram apresentar uma proposta ao titular da 4ª Vara Cível, para ocupar e administrar, temporariamente, por seis meses (que poderão ser prorrogados) o Hospital Vita, depois que o grupo de São Paulo deixar Volta Redonda, o que será decidido na próxima semana.
Batizada de ‘arrendamento tampão’, a proposta dos médicos, segundo uma fonte, já teria sido anexada ao processo Judicial e aguarda pronunciamento da direção da CSN. Conforme ata da assembleia, mais de 90 médicos do Vita (Corpo Clínico) endossaram a ideia, que passa por assumir tanto o imóvel da Siderúrgica quanto os equipamentos do Vita (que estão penhorados, não podendo ser retirados sem ordem Judicial), o que poderá garantir a continuidade dos atendimentos médicos emergenciais e ambulatoriais no hospital.
O detalhe é que nesta proposta, a Associação de Médicos (a ser criada) reivindica um pedido de empréstimo à CSN para garantir as despesas do funcionamento do hospital. Caso a empresa não concorde com os termos da proposta, os médicos querem que a CSN indique o que poderia ser feito para que o hospital não seja entregue às empresas que estão de olho no ‘negócio Vita”, revela a fonte, pedindo para não ter seu nome revelado.
Mão na frente e outra atrás
Sábado que vem, 26 de maio, acaba o prazo dado pelo juiz Henrique dos Reis – da 4ª Vara Cível – para a desmobilização do Hospital Vita. E, ao contrário do que muitos pensam, o Grupo Vita deixará o hospital de mãos vazias. Segundo o aQui apurou, todos os bens do grupo paulista, existentes na unidade e no Centro Médico, foram arrolados judicialmente e estão penhorados. Ou seja, nada pode sair de lá de dentro, nada, nem mesmo um chumaço de algodão. “Só não foram penhorados os bens das empresas que terceirizam atividades ou serviços”, confidenciou uma fonte do jornal, referindo-se às terceirizadas que atuam dentro do Hospital.
A fonte deu detalhes da atuação do Grupo Vita ao longo dos anos. Disse, por exemplo, que na fase inicial do contrato de comodato com a CSN, os sócios do Vita chegaram a investir pesado no hospital através da reestruturação da UTI e do Centro Cirúrgico. Esses setores foram modernizados e ampliados para atender um número maior de pacientes. Os investimentos foram reconhecidos e o hospital atingiu o maior nível (III) de avaliação do processo de certificação da Organização Nacional de Acreditação (ONA). “Foi o primeiro hospital do estado do Rio a obter esta certificação neste nível”, lembra a fonte.
Outros investimentos também foram feitos dentro do Hospital. Muitos, realizados pelas empresas terceirizadas responsáveis pelos serviços de endoscopia digestiva, laboratório, centro de imagens, etc. Porém, a partir de 2010, quando encerrou o comodato, os investimentos cessaram. “Ainda que os investimentos em infraestrutura tivessem sido muito pequenos de 2010 para cá, os processos administrativos e de atendimento continuaram a evoluir”, contou a fonte, acrescentando que o maior patrimônio do Hospital, hoje, é a excelência no atendimento à população.
A radiografia do litígio
Pollyanna Xavier
Há três meses, a CSN e o Grupo Vita estão envolvidos em um ‘divórcio’ nada consensual. Nesta alegoria de ‘marido e mulher’, nenhum dos dois nada aceita ceder. Nadica de nada. A dificuldade passa por detalhes relevantes, decisões contraditórias, atitudes políticas, comportamentos infantis. O Hospital Vita, responsável pelo atendimento de 1,2 mil pessoas/dia, é e sempre foi, na verdade, um negócio. Muito mais pelo Grupo Vita, que lucrou milhões nos últimos anos, do que pela própria CSN, que cedeu o imóvel gratuitamente por uma década, sem cobrar um tostão por isto. Quando a cessão chegou ao fim, o casamento entrou em crise.
O histórico prova isto. No dia 18 de fevereiro de 2000 a CSN deu o imóvel em comodato ao Vita – mediante a celebração de um contrato que, em sua Cláusula Terceira, previa o prazo de 10 anos de vigência (1º de março de 2000 a 28 de fevereiro de 2010). A partir daí, o Vita pagaria um aluguel mensal pela ocupação do prédio, tudo acertado em contrato e assinado pelo ‘casal’, com testemunhas, é claro. Só que o pagamento, com o fim do comodato, nunca foi feito, o que obrigou a CSN a cobrá-lo na Justiça.
Em 2014, a CSN entrou com a ação de inadimplemento contra o grupo paulista e a primeira decisão da Justiça – há quatro anos – já sinalizava o que estava por vir: o juiz Alexandre Custódio Pontual, da 4ª Vara Cível, determinou – em 2014 – o despejo do Vita e a devolução do prédio à CSN. Na época, nenhum político, muito menos os médicos da unidade, tomou alguma atitude para impedir a crise. Mantiveram-se céticos de que o pior pudesse acontecer.
Da primeira decisão, de novembro de 2014, o Vita recorreu e conseguiu que o Tribunal de Justiça impedisse o despejo do hospital. Os desembargadores entenderam que a dissolução ‘do casamento’ seria maléfica para a população, com riscos de danos irreparáveis. Para evitar o desgaste, o TJ devolveu o processo à 4ª Vara e determinou que as partes entrassem em um acordo para garantir o funcionamento do hospital. O próprio Vita sugeriu o pagamento de um aluguel de R$ 350 mil.
Mas os pagamentos não duraram muito tempo. Em determinado momento, o Vita pediu autorização para pagar o equivalente a 5% de seu faturamento mensal – o que seria inferior a R$ 350 mil – e o pedido foi aceito. Mesmo com a redução dos valores, o Vita se manteve inadimplente, provocando a Justiça a tomar decisões mais enérgicas. Este ano, surgiu a decisão pela desmobilização do hospital, e com ela a correria de médicos e políticos para tentar evitar o que lá atrás poderia ter sido evitado: o fechamento do mais importante hospital de Volta Redonda.
Como em todo litígio, há coisas difíceis de se explicar. Não se sabe, por exemplo, porque o Vita deixou de pagar o aluguel à CSN. Ou porque não passou a depositar os valores em juízo. Crise financeira não era. As contas do hospital sempre foram saudáveis. Segundo o aQui apurou, em 2010, com o fim do comodato, o Vita era uma das únicas redes (hospitalares) particular do país a registrar superávit e Ebitda (ganho antes de descontar impostos, depreciação, juros e amortizações) acima da média. Em 2011, Vita contabilizou lucro de 20%, medido pelo Ebitda, com metas de elevar o índice para 25% no ano seguinte.
Com o passar dos anos, o lucro líquido do Vita só aumentou. A exceção foi em 2016, quando a crise econômica que o país atravessou, contaminou a saúde de todo mundo. Pela primeira vez em uma década, a receita líquida de 23 dos maiores hospitais particulares do Brasil caiu (dentre eles, o Vita), segundo dados da Associação Nacional dos Hospitais Privados . A queda nem foi tão alta, alcançando um índice de apenas 1,8%. O Grupo Vita não perdeu mercado, nem poderia – ele é a única rede brasileira que conta com a participação de investidores de risco. Todas as suas unidades são sociedades anônimas, com debêntures (espécie de moedas para captação de recursos) no mercado.
O Grupo Vita nasceu nos anos 90. Edson Santos, atual presidente, e o médico Francisco Balestrini – que negociou diretamente com a CSN a questão do comodato e dos aluguéis – criaram a Hospitalium, uma empresa especializada em administrar hospitais de terceiros. Em 1998, ambos fizeram uma associação com a empresa americana International Hospital Corporation, criando a IHC Hospitalium. A ideia era adquirir e operar clínicas e hospitais no Brasil. Um ano depois, os fundos americanos Latin Healthcare e Global Environment entraram no negócio como sócios e fizeram um aporte de US$ 21 milhões – nascia ali a Vita Participações e Empreendimentos. 80% das ações são dos fundos americanos, o restante está dividido entre o IHC, Santos e Balestrini.
Quando a crise estourou, muitas informações importantes e estratégicas vazaram do processo judicial e das parte. Uma delas dá conta que o Vita São Paulo teria deixado de pagar os aluguéis e, ao invés de depositar em juízo para um eventual acordo, teria transferido o dinheiro para o exterior. “Eles retiraram milhões do hospital de Volta Redonda para a matriz em São Paulo, sequer cogitando usar esses valores, ou parte deles, para pagamento de suas obrigações”, contou uma fonte. Para ela, após este episódio, a situação se tornou irreversível, e uma possível conciliação entre Vita e CSN cada vez mais distante.
O Raio X da crise
O que a Justiça fez?
- Novembro de 2014 – o juiz Alexandre Custódio Pontual determinou o despejo do Hospital.
- Fevereiro de 2016 – TJ-RJ suspendeu o despejo
- Junho de 2016 – foi realizado um acordo judicial para pagamento de um aluguel à CSN. O valor – de R$ 350 mil – foi sugerido pelo próprio Grupo Vita.
- Julho de 2017 – Grupo Vita conseguiu autorização judicial para reduzir o aluguel ao equivalente a 5% do seu faturamento.
- Janeiro de 2018 – Justiça reconhece a inadimplência do Vita e determina o recolhimento imediato dos aluguéis atrasados.
- Fevereiro de 2018 – o juiz Roberto Henrique dos Reis (4ª Vara Cível) decidiu pela desmobilização do Vita e nomeou um administrador judicial para executar sua decisão e decreta sigilo de Justiça.
- Abril de 2018 – O juiz estipulou prazos para a conclusão da desmobilização – data limite vence no próximo dia 26 de maio.
- Maio de 2018 – O juiz voltou atrás e determinou suspensão da desmobilização por apenas uma semana, até que fosse realizada uma audiência especial para tentar novo acordo. Audiência foi realizada e – na máxima do mais do mesmo – não resultou em nada.
O que a CSN fez?
- Janeiro de 2000 – concedeu o imóvel do antigo Hospital Siderúrgica Nacional (HSN) para o Grupo Vita, em regime de comodato por 10 anos. Ao final do contrato, o hospital deveria pagar um aluguel devido à siderúrgica.
- Abril de 2010 – passou a cobrar, de forma administrativa, os aluguéis que lhe eram devidos.
- Março de 2014 – acionou o Grupo Vita na Justiça em ação de inadimplemento e cobrança de aluguéis (notem que a empresa não pediu a reintegração de posse).
- Junho de 2016 – aceitou o valor de aluguel de R$ 350 mil proposto pelo Vita em juízo.
- Fevereiro de 2018 – confirmou ter sido procurado por outros grupos hospitalares interessados em gerir o hospital.
- Abril de 2018 – Recebeu o Corpo Clínico do Vita em São Paulo, reconheceu a excelência do trabalho da equipe médica, mas descartou entregar nas mãos deles a gestão da unidade.
O que o interventor fez?
- Seu nome é Antônio Cesar Boller Pinto, advogado ligado à MVB Consultores Associados. Foi nomeado pelo juiz Henrique dos Reis para executar a desmobilização do Hospital Vita.
- Entrou no Hospital, relacionou todos os bens, enumerou os pacientes internados, listou serviços, pendências, conferiu a matemática faraônica dos atendimentos e emitiu relatório, que, aliás, foi contestado pelo MP e pelo MPF por não revelar, claramente, se os demais hospitais de Volta Redonda e Barra Mansa terão capacidade de absorver a demanda do Vita.
- Vai receber cerca de R$ 1,8 milhão a títulos de honorários.
O que o Grupo Vita fez?
- Assinou um comodato com a CSN, em 2000, e assumiu o antigo HSN (Hospital Siderúrgica Nacional).
- Ao final do contrato de comodato, não procurou a CSN – e nem a recebeu – para discutir os aluguéis a serem pagos a partir dali.
- Notificado da decisão do 1º despejo, em novembro de 2014, recorreu ao TJ-RJ e conseguiu suspender a decisão da 1ª instância. Entrou com vários recursos no TJ para tentar ganhar tempo e postergar a saída.
- Em junho de 2016, concordou em pagar R$ 350 mil de aluguel à CSN, um valor que o próprio grupo hospitalar havia sugerido ao Juiz.
- Em julho de 2017 solicitou à Justiça a revisão do aluguel, com pedido de pagamento de apenas 5% do faturamento do hospital. Conseguiu. Mas não cumpriu com suas obrigações de inquilino. A dívida está calculada em R$ 60 milhões.
- Em período não conhecido, teria transferido todo o dinheiro do hospital para uma conta no exterior.
- Alega ter tentado, por quatro vezes, entrar em acordos com a CSN para permanecer no imóvel. Estas tentativas, inclusive, teriam sido feitas a partir de 2014, quando já existia uma ação judicial em trânsito para tratar da questão. Antes disto, o esforço para um acordo teria partido da CSN, sem que a mesma tivesse obtido algum êxito.
- Chiou com a imprensa por não ter sido convidado para o ato apolítico-político, realizado na Câmara de Vereadores no dia 7 de maio, para discutir a desmobilização do hospital Vita.
- Entrou com efeito suspensivo no TJ-RJ pedindo a anulação da decisão do juiz Henrique dos Reis, que decidiu pela desmobilização do hospital. Não conseguiu.
- Solicitou à 4ª Vara a impugnação do relatório preliminar apresentado pelo administrador judicial, argumentando que o mesmo seria genérico, não especificando a metodologia para enfrentar os reais problemas e riscos que a população iria correr com o fechamento do hospital. Questionou ainda o alto valor dos honorários estabelecidos pela Justiça.
- Teria oferecido aos médicos do Corpo Clinico que assumissem de graça o Hospital Vita. A proposta teria sido recusada por receio dos médicos de passar a responder pelo pagamento dos aluguéis, calculados hoje na casa de R$ 60 milhões.
- No dia 17 de maio de 2018 entrou com pedido (4ª Vara) de afastamento do administrador judicial e solicitou que a Justiça, em conjunto com os ministérios públicos Federal e Estadual, faça a mediação da proposta de compra do Hospital Vita pelo Grupo Intermédica.
O que o Corpo Clínico fez?
- Sabia da crise Vita x CSN e, como na velha máxima de que em briga de marido e mulher ninguém mete a colher, acomodou-se.
- Quando a crise estourou, dividiu-se em grupos e um deles tentou vender a imagem de crise apolítica.
- Divulgou carta pública convocando a população a lutar pela manutenção do Hospital.
- Reuniu-se com a direção da CSN, em São Paulo, e pediu para gerir o hospital no período de transição.
- Transformou a crise em ato político com uma reunião especial na Câmara de Vereadores e convocou a sociedade civil organizada para participar. Vereadores, deputados, bispo, padres e o prefeito Samuca Silva foram convidados.
O que o Centro Médico fez?
- Foi o único a apresentar uma proposta viável para a CSN, de manter o Centro Médico do Vita em funcionamento.
O que o Cremerj fez?
- Divulgou uma nota em apoio ao Corpo Clínico. Apenas isso.
O que a Unimed fez?
- Teria apresentado uma proposta de R$ 200 mil de aluguel à CSN pelo imóvel do hospital. Depois, propôs assumir o lugar do Vita sem paralisar os atendimentos realizados, garantindo a empregabilidade do Corpo Clínico e demais funcionários. A proposta prevê ainda uma transição de 90 dias, tempo em que seriam mantidas as mesmas condições pactuadas com todas as partes envolvidas na operação do hospital: médicos, município, estado, e demais contratos com pessoas jurídicas.
O que a Rede D’Or fez?
- Contratou médicos do Vita para assumir o hospital (há aproximadamente um ano) e levou meses para apresentar uma proposta para a CSN. As negociações seguem em sigilo com a Siderúrgica e o boato mais recente dá conta que já aceita bater martelo com a CSN apesar do Hospital Vita não ter o seu “padrão D’Or”.
O que Samuca fez?
- Sentou com representantes da CSN e pediu uma transição tranquila, com a garantia de empregos dos médicos e funcionários do hospital. Nos bastidores tentou conciliar os interesses dos três grupos envolvidos – CSN, Vita e Corpo Clínico – mas foi mal interpretado por parte dos médicos e se retirou do imbróglio.
O que Deley fez?
- Política
O que os vereadores fizeram?
- Acompanharam Deley
O que o bispo fez?
- Nada!
O que a Aciap e a CDL fizeram?
- Nada!