Vinícius de Oliveira
Já se passaram algumas semanas desde que o Supremo Tribunal Federal determinou, por 6 a 5, com voto de minerva da presidente, Ministra Cármen Lúcia, que o art. 210 da Constituição deve ser interpretado como permitindo o ensino religioso confessional nas escolas públicas, de forma facultativa. Só que, até hoje, conservadores e progressistas travam um importante debate sobre o futuro da Educação e a garantia da laicidade do Estado. No Sul Fluminense, cuja população vem se acostumando a ver seus gestores e legisladores tomando decisões com base nas religiões que professam na vida particular, não tem sido diferente.
Lá em Brasília, dado o tamanho da polêmica, o tema foi debatido por quatro sessões plenárias ao longo das últimas semanas atpe que a ministra abriu, de vez, com seu voto, as portas da escola para a religião. Por aqui, a decisão do STF gerou reflexos. Em Barra Mansa, por exemplo, o secretário de Educação se sentiu à vontade para exigir a oração do Pai Nosso em todas as escolas da rede. No dia 2 de outubro, Vantoil de Souza Júnior foi além. Expediu uma ordem de serviço (008/2017) estabelecendo que todas as unidades escolares “antes da condução dos alunos às salas de aulas, os colocarão em fila indiana, em posição respeitosa e entoarão hinos cívicos”, de acordo com cronograma pré-estabelecido. Detalhe: ao final de cada hino, deverá se proceder a ‘oração que o Senhor nos ensinou’.
Na ordem de serviço, Vantoil justifica a escolha do Pai Nosso por essa ser uma oração “universal e aceita pela maioria das manifestações religiosas”. Há controvérsias quando o assunto é a universalidade. Que o digam os budistas, por exemplo, que não rezam a oração mais famosa dos cristãos.
Mas Vantoil é democrático. Em sua ordem de serviço, determinou que os alunos que não quiserem rezar podem apresentar uma declaração escrita pelos responsáveis explicando sua decisão. Desta forma, os ‘hereges’ poderão seguir par suas respectivas salas sem fazer a oração.
Tem mais. Se alguma diretora, ou mesmo a maioria dos professores de uma escola de Barra Mansa se opuser à decisão, que Deus os ajude porque, segundo a assessoria da prefeitura, “a Educação Municipal é uma rede, todas as escolas seguem a mesma orientação. A Secretaria entende que todas as escolas cumprirão as atividades.”
O departamento jurídico do Sepe não viu com bons olhos a ordem de Vantoil e, tão logo tomou ciência, ajuizou uma ação para derrubar a imposição de orientação religiosa nas escolas públicas do município, questionando a ordem de serviço da SME.
Debates em Volta Redonda
Em Volta Redonda, o assunto permanece no campo dos debates. Bem quente, diga-se de passagem. O presidente da Câmara, Sidney Dinho, gostou da decisão do STF de liberar o ensino religioso confessional nas escolas de Educação Básica. De acordo com Dinho, que é evangélico e conservador assumido, ensinar religião no espaço público não fere a formação ética dos estudantes. “Sou a favor porque nunca ouvi falar que qualquer religião deturpe princípios de moral e bons costumes”, disparou.
Embora curto e grosso em seu depoimento acerca do tema, o apoio declarado por Dinho não causa estranheza, pois o altar, a batina e a própria Bíblia Sagrada já são vistos no Plenário da Câmara há muito tempo. Prova disso são as homenagens que a Casa faz a padres, pastores e até a homens que rezam o terço.
De acordo com Márcia Meireles, representante do grupo Fé e Tolerância, uma entidade que reúne estudiosos de diversas denominações religiosas, a postura do presidente e do próprio STF é condenável. “Há um aparelhamento do poder público movido por convicções pessoais, fé e dogmas religiosos dos representantes eleitos. A política religiosa é evidente. E os vereadores ainda se mostram muito indignados quando falamos sobre isso. Basta ver a criação do Memorial Jerusalém com dizeres bíblicos, as onerosas sessões solenes em homenagem ao dia do pastor e a homenagem dada ao dia do terço dos homens. Uma afronta à laicidade do Estado”, criticou.
Outro órgão que se posicionou de forma contrária ao entendimento do STF foi o Sepe. Raul dos Santos, coordenador geral do Sindicato dos Profissionais da Educação, disse ao aQui que a decisão dos ministros significa um retrocesso para a Educação brasileira. “Defendemos uma escola laica, sem posicionamento religioso específico. Escola é espaço de diversidade. A partir do momento que o ensino religioso professar determinada fé, perde-se um dos aspectos mais brilhantes da escola que é a diversidade e a possibilidade das mais diversas crenças coexistirem nesse espaço”, opinou.
Para o sindicalista, a atual conjuntura social, tomada por uma onda de conservadorismo pujante, torna a decisão do Supremo ainda mais preocupante. “Temos uma sala onde convivem alunos do candomblé, da umbanda, budistas, neopentecostais, católicos, protestantes e uma aula que processa apenas a fé católica, por exemplo. Como manter a tolerância e garantir a todos os mesmos direitos? Isso se torna ainda mais preocupante quando percebemos um processo de avanço conservador no Brasil. Terreiros do candomblé e centros da Umbanda sendo atacados em nome de uma determinada religião. A gente acredita no debate da diversidade, na tolerância e no respeito a todas as religiões e não numa única fé específica sendo professada dentro da escola pública, que deveria abranger os mais diversos aspectos da cultura brasileira, que é linda e diversa”, completou.
Tentando se esquivar da polêmica ou mesmo se comprometer, a secretaria Estadual de Educação, em nota, afirmou que as escolas do estado deverão seguir ofertando o ensino religioso de forma não confessional. “A respeito da decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o Ensino Religioso nas escolas estaduais, a secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro informa que continuará a oferta do Ensino Religioso na Educação Básica com a recomendação de ser “não confessional” e de maneira optativa em sua Matriz Curricular”.
A nota diz ainda que “no Rio de Janeiro, o Decreto Nº 31.086, de 27 de março de 2002, regulamentou o Ensino Religioso de forma confessional, estendendo sua oferta para o Ensino Médio. Apesar deste Decreto, o Ensino Religioso confessional já não é mais adotado. Neste sentido, a Secretaria de Estado de Educação tem orientado as escolas da rede estadual que o Ensino Religioso faz parte do processo educativo e deve congregar valores à formação dos estudantes, incentivando o diálogo, promovendo a reflexão sobre a religiosidade de cada um e valorizando a diversidade cultural e religiosa, viabilizando na escola pública o exercício da tolerância e o respeito. Atualmente, cerca de 195 mil alunos optaram pela disciplina e utilizam o atual formato”. A Regional do Médio Paraíba, um braço da Seeduc no Sul Fluminense, explicou que as escolas de Volta Redonda seguem o mesmo posicionamento da Secretaria.
Questionada pelo aQui, a Cúria de Volta Redonda disse seguir a orientação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e afirmou: “A CNBB pode dar sua colaboração para que o ensino religioso confessional, de matrícula facultativa, respeite a diversidade. Não se trata de uma defesa da Igreja, mas do direito de o povo ter acesso às tradições das religiões que professa. O Estado brasileiro não é regido, na sua legislação, por normas de determinada religião. Portanto, é laico. A religião necessita dessa liberdade. O Estado, se democrático, deve garantir a liberdade religiosa”.
Nota da Redação: A secretaria de Educação de Volta Redonda também foi procurada para comentar o assunto. Até o fechamento dessa edição, ela não haviam se pronunciado. Que o Senhor os proteja. Amém!