Vinicius de Oliveira
Um acordo de paz foi selado entre os posseiros da ocupação Dom Waldyr, que ocupam um terreno de 10 mil metros quadrados no Belmonte, e a prefeitura de Volta Redonda. Após meses travando uma exaustiva queda de braços, os dois lados conseguiram chegar a um acordo. Com aval do prefeito Samuca, que deu uma solução para o impasse por telefone, o secretário de Ação Comunitária, Maycon Abrantes, garantiu aos sem teto que ninguém será retirado à força do acampamento desde que cada família se submeta a um cadastramento no Palácio 17 de Julho.
O consenso se deu a partir de um inflamado embate entre os posseiros e Maycon – um teste de força para o vice-prefeito. Munido de cartazes, um grupo de 30 integrantes da Ocupação Dom Waldyr chegou a colocar Maycon contra a parede, exigindo respostas da prefeitura sobre políticas de habitação, que ele não podia dar. “Eu aprendi com meu pai que quando as despesas são muitas e não temos dinheiro para tudo, temos de priorizar. Vejo que o prefeito não está priorizando o que realmente importa. Gastou R$ 400 mil com a reforma da piscina na Ilha São João, mas não é capaz de investir em moradia para nós. Ter um lugar para se refrescar é muito bom, mas ter um teto para voltar no final do dia é melhor ainda”, desafiou uma integrante do movimento.
Ela também questionou o aluguel do prédio onde hoje funciona o Hospital do Idoso, na Vila. “É claro que os idosos são importantes, mas e as pessoas que estão na rua, sem lugar para morar? Tinha mesmo necessidade de gastar tanto dinheiro construindo um hospital só para idosos, com tantos hospitais em Volta Redonda? O próprio Hospital Regional poderia atender os casos que serão levados ao Hospital do Idoso. Esse governo não tem prioridades”, reclamou a posseira, esquecendo-se que o Hospital Regional é de responsabilidade do governo do Estado.
Escorregando nas palavras, Maycon tentou justificar a política do governo. Disse que o valor empreendido na reforma do Parque Aquático não seria suficiente para dar conta de resolver o déficit habitacional de Volta Redonda. E argumentou que a prioridade seria a Saúde. “Estamos, sim, priorizando os investimentos. O governo está cuidando da Saúde. Por isso a construção do Hospital do Idoso. Até mesmo a reforma das piscinas da Ilha reflete na Saúde”, ponderou.
Sem muito avanço no diálogo até então, os posseiros denunciaram truculência na ação da Polícia Militar, Guarda Municipal e de indivíduos que se identificaram como representantes do Conselho Tutelar. “Estavam armados (quando foram ao acampamento). A PM tinha até fuzil. Ameaçaram crianças e mães com bebês no colo. Fizeram ameaças. Se não nos cadastrássemos, prometeram levar as crianças para o Conselho Tutelar”, relembrou outra integrante da ocupação, explicando que temiam o tal cadastro pois pensavam que através dele poderiam ser processados nominalmente.
Mas, de acordo com o vice-prefeito, o cadastro tem outra finalidade. “Precisamos identificar quem é realmente de Volta Redonda. Quem realmente não tem renda e está lá (no acampamento) por que precisa. O cadastro não será feito para prejudicar ninguém nem usar contra eles próprios. É questão de organização”, garantiu Maycon.
Samuca, acionado via celular, se comprometeu a não insistir na reintegração de posse. Caso o atual dono da terra – o governo do Estado – insista em remover as famílias, o prefeito, segundo May-con, encontraria um meio de realocá-los. Em nota oficial, a prefeitura explicou que o “intuito do governo é cadastrar todas as famílias no programa habitacional do município junto à secretaria de Ação Comunitária (Smac) e Companhia de Habitação de Volta Redonda (Cohab)”.
Os termos do acordo entre a prefeitura e os posseiros foram ratificados durante reunião que aconteceu na quarta, 31, na sede da OAB-VR. Mediada pelo presidente da OAB, Alex Martins, os integrantes da ocupação Dom Waldyr se comprometeram a, entre outras, permitir o acesso das equipes do Furban, da Defesa Civil, Cohab e Smac ou qualquer outro órgão público com a finalidade de identificar as condições de infraestrutura do local.
A prefeitura, por sua vez, garantiu que, tão logo o cadastro seja feito, buscará solução específica para atender às demandas do movimento. A proposta do governo, conforme adiantou o procurador-geral do município, Augusto César Nogueira, é encontrar um local que seja destinado às famílias da ocupação onde poderão construir suas residências, em regime de cooperativa, seguindo, claro, um projeto aprovado pelo Furban que garanta as características de um loteamento. “Em paralelo, as famílias devidamente cadastradas receberão o aluguel social”, explicou Augusto.
Ao aQui, Hafid Omar, um dos líderes do movimento, explicou que os ocupantes seguirão à risca o que foi combinado com a prefeitura de Volta Redonda na esperança de que as autoridades façam a parte delas. “Nós sempre buscamos o diálogo. Sabíamos que o Poder Público buscaria um critério para assentar essas famílias. O que estava dificultando as negociações foi a forma truculenta que os órgãos públicos chegaram ao assentamento, sem apresentar documentos oficiais. Apenas fazendo ameaças”, ponderou.
Como tudo começou
A prefeitura, ainda nas mãos do ex-prefeito Neto, doou ao governo do Estado o terreno localizado no Belmonte, palco de toda a história. A contrapartida seria a construção de uma vila destinada a idosos carentes. A parceria também envolvia o governo Federal, que financiaria as moradias, por meio do programa ‘Minha Casa, Minha Vida’. Porém, desde a doação, apenas 10 casas foram construídas. Mesmo assim, de forma inacabada. “A intenção inicial era construir um condomínio para a terceira idade, que se chamaria Vila da Melhor Idade, só que o abandono foi tomando conta ao longo dos anos. Nosso papel, no atual governo, é de achar soluções para o quadro atual”, afirmou Maycon, elogiando a forma pacífica como o processo está sendo conduzido.
Contudo, dado o fim do projeto, o terreno permaneceu ocioso e, aos poucos, foi tomado pelo mato. Foi então que, em abril do ano passado, um grupo de sem tetos, oriundos do movimento criado em 2004 ‘Minha Casa, Minha Luta’, ocupou o local. Cerca de 50 famílias (o número oficial não foi divulgado) que compõem o grupo autointitulado ‘Ocupação Dom Waldyr’, em referência ao líder católico D. Waldyr Calheiros, que se popularizou na região pela ajuda aos pobres, pularam as cercas e muros e fixaram residência. Vivem desde então sem água encanada e rede de esgoto. Contam apenas com um ponto de luz improvisado.
De dentro da ocupação, os posseiros se organizaram. Chegaram a divulgar na internet um manifesto justificando a ocupação. “Em uma cidade que teve 33% de suas terras vendidas na privatização da CSN, o problema principal não poderia ser outro: espaço para morar. Nos bairros há muita gente em estado de extrema necessidade, sem casa. Hoje há muitos apartamentos vazios e empreendimentos completamente abandonados, como o ocupado por nós. Queremos casa, queremos essa terra para nós, mas queremos também ajudar todos os sem casas a terem os seus direitos a moradia e dignidade garantida”, escreveram.