Ela não entrou no fogo para morrer. Fez o que fez para tentar impedir a ação do vigia Damião e salvar a vida das crianças. Conseguiu colocar algumas por cima da janela – e entrou em luta corporal com o vigia. Seu corpo foi encontrado ao lado do dele. Impossível não lembrar dos milhares de alemães que abrigaram judeus durante o período do nazismo. Os ocultaram, os alimentaram, contribuíram para a fuga deles, ajudaram com dinheiro e transporte, mentiram aos nazistas por eles. E, assim, colocaram suas vidas em risco. E a de suas famílias. Fizeram isso porque escolheram. Consideraram essa atitude – apesar do perigo – a atitude certa.
Também é preciso lembrar do julgamento de Eichmann, relatado no imprescindível livro de Hannah Arendt, e das palavras do réu, nas suas alegações de defesa, ao dizer que não tinha escolha, que só havia cumprido ordens e que se não as obedecesse, seria ele a morrer. Mas então é óbvio que ele tinha escolha. Como a professora Heley de Abreu; como os alemães (e franceses, holandeses, poloneses, e a longa lista de pessoas dignas) que também escolheram. A diferença é que, enquanto Eichmann acreditava que sua vida e seus interesses valiam mais do que qualquer outra coisa e que, por isso, testemunhar a morte dos outros era algo em relação ao qual não havia o que ele poderia fazer, a professora Heley pensava diferente.
Imaginem agora, a seguinte situação: os empresários do país resolvem que seus negócios, suas propriedades, seus interesses não são mais importantes que sua honestidade, sua dignidade como cidadãos. E mesmo sob o risco de terem sérios problemas, recusam-se terminantemente a colaborar com a corrupção sugerida pelos agentes públicos. Fazem essa escolha. Simplesmente. Correm um risco enorme, mas não hesitam. Entram em luta contra os malfeitores, sem importar nada, além da honestidade e a retidão. Imaginem, deixem a mente vagar por essa possibilidade.
Imaginem o que ocorreria se todos, absolutamente todos os homens e mulheres de negócios desse país agissem como a professora Heley, mulher de 43 anos, pedagoga, funcionária do município de Janaúba, norte de Minas, município de 70 mil habitantes, casada há 23 anos, mãe de três filhas. Lembrem tudo o que deixou para trás a professora Heley. O que ela perdeu. E, mesmo assim, ela entrou nas chamas, lutou com o criminoso, conseguiu salvar algumas das crianças. E morreu. Mas ela não fez isso para morrer. Escolheu ser a pessoa que era. Correta.
No enterro da professora, o prefeito não foi. A secretária da Educação não foi. Mandou uma representante que leu: “são pessoas como ela que nos inspiram a dar a volta por cima e mostrar que, com muita luta, tudo pode ser reconstruído”. Sim. Essa é a lição. Basta fazermos a escolha certa.
Daniel Medeiros, doutor em Educação Histórica pela UFPR e professor no Curso Positivo.