CSN utiliza modernos equipamentos de processamento de escória
Por Pollyanna Xavier
A escória mantida pela CSN há mais de 40 anos, às margens do Rio Paraíba, na Brasilândia, levou a empresa a responder em duas frentes da Justiça. Além de uma ação cível, na qual se discute a celebração de um Termo de Ajustamento Judicial (TAJ) para a compensação ambiental e redução das pilhas do produto, o Ministério Público Federal apresentou denúncia contra a empresa por crimes de poluição e destruição ambiental. A ação foi ajuizada na 2ª Vara Criminal Federal da cidade do aço e é resultado de uma investigação da Polícia Federal contra a companhia.
Segundo a ação criminal apresentado pelo procurador do MPF Jairo da Silva, a CSN e a Harsco Metals (empresa que administrava o pátio de escória) vêm promovendo há quatro décadas o descarte irregular de resíduos siderúrgicos às margens do Rio Paraíba, colocando em risco a saúde pública e impactando diretamente áreas de preservação permanente. Na inicial, o procurador ressaltou que a conduta das empresas representa uma “política corporativa consciente de descumprimento sistemático das normas ambientais” e deve ser analisada pelo Estado de maneira “firme”, com a devida aplicação do Direito Penal Ambiental.
Na ação criminal, o MPF juntou cópia dos laudos apresentados no processo cível e novas provas chegaram a ser produzidas contra a CSN. Há informações, por exemplo, de que o depósito supostamente teria contaminado o lençol freático com metais pesados e fenóis, devido à ausência de impermeabilização. Além disso, o pH da água subterrânea teria chegado a 13,04 – considerado um nível letal para a fauna aquática. Ainda de acordo com os laudos, o pátio chegou a acumular mais de cinco milhões de toneladas de dejetos industriais, formando pilhas que ultrapassariam 30 metros de altura. A exigência é de que o volume seja reduzido para no máximo quatro metros.
Segundo consta na denúncia criminal, o MPF acusou a CSN e a Harsco de impedirem a regeneração da flora ao ocupar irregularmente uma Área de Preservação Permanente (APP), além da Faixa Marginal de Proteção do Rio Paraíba do Sul (FMP). E é justamente por causa deste risco ao corpo hídrico que a Polícia Federal iniciou uma investigação contra as empresas, resultando na ação criminal ajuizada pelo MPF.
Em nota, o procurador Jairo da Silva afirmou que “diante da gravidade dos fatos e da duração das irregularidades” é impossível a realização de um Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) – quando o MPF, antes de oferecer denúncia, faz um acordo com o investigado para evitar o processo penal. A Procuradoria da República pede a condenação das empresa e uma indenização superior a R$ 430 milhões (R$ 330,5 milhões por danos materiais e ecológicos e R$ 100 milhões por danos morais coletivos).
Reação da CSN
Ao ser notificada da ação criminal, a direção da CSN se mostrou reativa e bastante surpresa. Em nota, disse que está à disposição da Justiça para prestar todos os esclarecimentos sobre a denúncia apresentada, mas a considerou inesperada. Para a CSN, as tratativas ao redor do TAJ, conduzidas pelo próprio MPF e negociadas na esfera cível (inclusive com o pedido de suspensão da ação até a conclusão do TAJ) afastariam a possibilidade de uma ação de competência criminal. Porém, legalmente falando, uma situação não impede a outra.
Para a CSN, a denúncia é desprovida de fundamento técnico e jurídico. Em nota oficial, a empresa reafirmou que apresentou laudos que compro- vam a segurança, a estabilidade e a inexistência de contaminação ambiental do solo e garante que “foram realizados mais de uma dezena de estudos técnicos e análises por empresas e labora- tórios independentes, inclusive escolhidos por sorteio, que comprovam de forma categórica e definitiva que o agregado siderúrgico estocado não é perigoso nem tóxico”, e que “não há risco de contaminação ao Rio Paraíba do Sul”.
A empresa também contestou relatórios anexados ao processo cível, elaborados a pedido da Justiça e do MPF e assinados por uma médica veterinária, em ‘questionável’ substituição a profissionais de Engenharia. “Do ponto de vista técnico, as fragilidades dos fundamentos ficam evidentes já no fato de que o único laudo presente no inquérito foi elaborado sem a participação de profissionais de Engenharia, tendo sido assinado por perita com formação em Medicina Veterinária, em desacordo com a legislação profissional aplicável (Lei nº 5.194/66 – Confea)”, questiona.
Outros dois detalhes também pontuados pela CSN e que teriam sido ignorados pelo MPF foram: o prazo de 14 anos previsto no TAJ “para que as pilhas pudessem ser paulatinamente reduzidas”; e o fato de que “o local não é um aterro, mas sim um pátio de beneficiamento de coprodutos”, cujo material, após processado, pode ser usado em obras de infraestrutura”. “Essas inconsistências fragilizam a confiabilidade dos dados apresentados, superestimam impactos inexistentes e desconsideram a estabilidade das pilhas, já atestada em sucessivos estudos técnicos independentes apresentados e amplamente debatidos com o próprio MPF, MPE e Inea”.
O que diz o MPF?
Procurado para esclarecer alguns pontos da nota oficial da CSN, o Ministério Público Federal foi enfático. Reafirmou que a negociação de um acordo judicial (TAJ) conduzido na esfera cível não impede a ação penal, pois tramitam em esferas diferentes e independentes. “A negociação de um acordo na es- fera cível não inibe ou suspende a apuração da responsabilidade criminal, em virtude do princípio da independência das instâncias. O encerramento da investigação criminal pela Polícia Federal impôs ao MPF o dever legal e constitucional de apresentar a denúncia para defender o interesse público primário”, destacou.
Em relação à informação da CSN de que o MPF agiu sem fundamento legal, a Procuradoria da República garantiu que a denúncia apresentada à 2ª Vara Federal Criminal está baseada “emprova pericial criminal e em atos administrativos” realizados pelo Inea, “os quais gozam de presunção de veracidade”. “A credibilidade dos laudos de defesa será devidamente sopesada e discutida no curso da instrução criminal, mas, no entender do MPF, a materialidade delitiva está devidamente comprovada”, assegurou, adiantando não ser possível um Acordo de Não Persecução Penal pela ausência de requisitos previstos no Código de Processo Penal.
Sobre o prazo de 14 anos previsto no TAJ para que as pilhas de escória sejam reduzidas, o MPF deixou claro que ainda “não há um acordo assinado e vigente” que estabeleça este prazo. O que existe são tratativas ainda não formalizadas. A procuradoria afirmou ainda que “mesmo que um acordo cível seja celebrado futuramente para resolver as obrigações de fazer (como a remoção da escória), ele não tem o poder de extinguir a pretensão punitiva em relação ao crime ambiental”.
Por fim, o MPF explicou o porquê de os laudos juntados ao processo Cível terem sido assinados por uma médica veterinária. “A profissional em questão é uma perita criminal federal de carreira, com 24 anos de experiência no Departamento de Polícia Federal e que atua especificamente na área de perícias ambientais”, explicou, acrescentando que “o Código de Processo Penal e a legislação correlata não estabelecem a exigência de formação específica para a realização da perícia em matéria ambiental, demandando, tão somente, o conhecimento técnico e científico do profissional”, completou.
Ainda sobre a perita, o MPF garante que “a profissional tem expertise necessária para a produção do laudo”, e que no curso das investigações e na estrutura do processo criminal, “há outras provas que fundamentam a denúncia”. Dentre elas, o órgão fiscalizador citou as “informações técnicas do Inea” e ainda “um laudo da perícia técnica do MPF que atesta o valor dos danos ambientais”.