sexta-feira, março 29, 2024
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Inocência perdida

Por Roberto Marinho

O ISP (Instituto de Segurança Pública), órgão ligado à secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio, acaba de divulgar o Dossiê Criança e Adolescente 2018, quarta edição do estudo sobre os crimes cometidos contra a população infanto-juvenil em todos os municípios fluminense. E os números são alarmantes: o crime mais cometido envolve violência sexual. Pior. Mais da metade (59%) das vítimas eram crianças ou adolescentes.

 

Com 3.886 registros em 2017 – entre casos de estupro, tentativa de estupro, importunação ofensiva ao pudor, ato obsceno, exploração sexual, satisfação de lascívia ou assédio sexual -, a média acaba sendo de 10 crianças ou adolescentes por dia. Corresponde a 0,41 por hora. E o número pode ser muito maior. É que o ISP considera que exista uma enorme subnotificação dos casos, principalmente pelo constrangimento das vítimas – e dos pais – em denunciar os casos de agressão sexual. Além disso, o ISP revela que, por causa da idade, as vítimas não têm consciência que estão sofrendo violência sexual, ou mesmo nem sabem falar a respeito.

 

Os números do ISP mostram ainda que 40% dos autores dos crimes de violência sexual contra crianças e adolescentes são conhecidos das vítimas – pode ser o pai, o tio, o primo ou ainda a mãe, a tia e a irmã, o que aumenta a dificuldade de se fazer a denúncia.  

 

Outro tipo de violência é a periclitação da vida – abandono de incapaz, maus tratos e omissão de socorro, entre outros – onde 49% do total das vítimas correspondem a crianças e adolescentes. No caso de maus tratos, o relatório do ISP expõe uma realidade cruel: muitas vezes a violência é usada de forma supostamente disciplinadora, indo desde privações materiais e de lazer, até humilhações e castigos físicos.     

Na região

Se o Dossiê Criança e Adolescente 2018 não traz os números específicos de cada município – e nem esse é seu objetivo -, o próprio ISP-RJ fornece, com a ferramenta de consulta interativa de dados, a possibilidade de se fazer uma análise mais profunda sobre a violência contra os menores entre 0 e 17 anos em cada cidade fluminense. Na região, por exemplo, os números de Volta Redonda e Barra Mansa chocam: na cidade do aço, de um total de 66 casos de estupro registrados em 2017, 50 foram contra menores de até 17 anos. Na terra de Rodrigo Drable, dos 49 registros de estupro, 33 das vítimas eram menores.

 

E a situação nas duas cidades só vem piorando: em 2016, Volta Redonda registrou 40 estupros de menores; Barra Mansa, outros 22, sendo que nesta última, o número praticamente dobrou em 2017. As maiores vítimas são as meninas: no ano passado, em Volta Redonda, elas representaram 78% das ocorrências (39 casos), contra 22% de meninos (11 casos). Em Barra Mansa, 82% das vítimas (27 casos) foram meninas, sendo 18% (6 casos) meninos.        

 

Como a consulta interativa permite filtrar os dados, é possível saber, por exemplo, que em Volta Redonda, na faixa mais vulnerável dos menores estuprados – de 0 a 11 anos -, em 30% dos 23 casos registrados os abusadores eram familiares – pais, mães, padrastos, madrastas ou outros parentes. Em 2017, foram 7 casos deste tipo, sendo três contra meninas e quatro contra meninos. 

‘Quanto mais escuro, mais vulnerável’

O Dossiê Criança e Adolescente 2018 apresenta uma análise especial sobre os crimes de letalidade violenta (homicídios) e conclui que as maiores vítimas da violência entre os menores até 17 anos são de negros e pardos. A taxa de homicídios nessa faixa da população no estado do Rio é de 45,3 vítimas por 100 mil habitantes, quase nove vezes maior que entre crianças e adolescentes brancos (5,1 vítimas por 100 mil habitantes). Para crianças e adolescentes pardos a taxa é de 17,9 vítimas por 100 mil habitantes – número três vezes maior que para brancos. “Quanto mais escuro o tom da pele, maior é a vulnerabilidade de sofrer morte violenta intencional”, afirmam os autores no documento.

 

O relatório também é conclusivo ao afirmar que grande parte da violência sofrida pelos menores no estado do Rio é exercida por familiares e conhecidos. No caso dos crimes de abandono de incapaz, maus tratos e omissão de socorro (periclitação da vida), cerca de metade (50,3%) foram cometidos por parentes em algum grau. E conhecidos – familiares ou não – são os autores de 46,8% das lesões corporais, 47,1% dos crimes de violência psicológica, 40,4% dos crimes de violência sexual e 38,2% dos crimes de violência moral.

 

Por conta da proximidade entre vítimas e violadores, os autores do documento reforçam a necessidade das campanhas de conscientização para ensinar a população – e as crianças e adolescentes, principalmente – a identificar situações em que crianças e adolescentes tiveram seus direitos ameaçados ou violados.

 

Volta Redonda debate políticas públicas para os jovens

Cerca de 250 pessoas, a maioria formada por adolescentes, participaram na quarta, 28, da X Conferência Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Volta Redonda. Realizado pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), o evento teve o tema “Proteção Integral, Diversidade e Enfrentamento das Violências”.

 

O objetivo geral foi mobilizar os integrantes do Sistema de Garantia de Direitos (SGD), crianças, adolescentes e a sociedade para a construção de propostas voltadas para a afirmação do princípio da proteção integral a crianças e adolescentes nas políticas públicas, fortalecendo as estratégias/ações de enfrentamento das violências e considerando a diversidade.

 

Representando o Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente (CEDCA), a palestrante Natanne Azevedo de Lima falou sobre o tema do encontro. “Vim falar com os jovens, principalmente, sobre protagonismo, porque eles são sujeitos de direito e têm que ocupar espaços como esse. Geralmente, participo com eles nos chamados eixos, conversando e fazendo dinâmicas, porque eu também sou fruto de conferências”, comentou Natanne, ao lado de outra representante do CEDCA, Guaraciara Lopes.

 

O estudante Gabriel Bergone, que representou o Fórum da Juventude Sul Fluminense em Ação, participou da mesa de abertura e destacou o benefício da conferência para os jovens. “É a minha segunda conferência e o mais importante é os jovens se sentirem incluídos na formação dessa política pública. Além disso, tem a questão de eles terem a conscientização que eles são cidadãos de direito e estão exercendo um direito que é deles, que é de participação”, disse Gabriel, que cursa o 3º Ano do Ensino Médio no Ciep 295 Professora Glória Roussin Guedes Pinto.

 

De acordo com a presidente do CMDCA, Adriana de Paula, a conferência serviu também como etapa preparatória da X Conferência Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente, que será realizada em 2019 no Rio de Janeiro e culminará na participação do estado na XI Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. “Formamos cinco grupos e cada grupo teve um tema a ser debatido. No final, é feita a eleição e daqui saem 13 delegados para participarem da conferência estadual no ano que vem”.

 

São eleitos delegados titulares e suplentes de diversas representações, como CMDCA, conselhos tutelares, adolescentes, movimentos sociais, sistema de Justiça, Rede de Atendimento (educação, saúde e assistência); e universidades públicas e privadas.

 

O prefeito Samuca Silva destacou o trabalho em prol das crianças e dos adolescentes. “Estamos atuando várias secretarias e órgãos do Governo Municipal, trabalhando as políticas públicas através de ações como a conferência e a construção do Plano Municipal para Infância e Adolescência. Mas, o mais importante é o envolvimento dos jovens na discussão dessa política”, afirmou Samuca Silva.

 

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